Folha de S. Paulo


De volta à escola

Tati Bernardi: Já calibrou a lousa hoje?

Colunistas retornam aos bancos escolares

Colunistas da Folha retornam aos bancos escolares por algumas horas e acompanham um dia de aula entre adolescentes de três colégios da cidade de São Paulo.

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Acordei com o mesmo enjoo com que eu acordava em dia de prova. Lamentei meu cabelo estar tão armado, igual eu lamentava todas as manhãs, enquanto colocava o uniforme branco e azul, com o desenho de um coração flechado que saía de dentro de um livro. Sempre me perguntei se a flecha fazia as vezes de uma caneta também, nunca entendi direito o logo do meu colégio, mas achava bonito carregar aquele brasão meio dramático.

Nem acabei de sentar numa das carteiras disponíveis e o aluno Pedro, 13 anos, me perguntou se eu era responsável pela contagem dos números das manifestações na Paulista. Expliquei que eu era escritora, colunista... Ele ficou um pouco decepcionado e voltou a olhar pra frente. Acho que eu não era tão ligada assim em política com essa idade. Talvez eu não seja até hoje.

Sim, os adolescentes estão mais maduros. A hora em que o câmera da TV Folha entrou na sala da oitava série C, achei que a aula de história, a minha preferida, viraria uma bagunça. Que nada, seguiram prestando atenção, fazendo perguntas que eu não saberia mais responder. Ato de Supremacia, Invencível Armada, Catarina de Aragão, Bill of Rights? Socorro. A única coisa em comum é que, quando eu tinha a idade deles, meu professor de história, o Iberê, também era bonitão.

Da primeira série ao terceiro colegial, foram 11 anos comendo na mesma cantina. Até comprei um misto pra matar as saudades. Na minha época não tinha o tal nono ano e entrei para a faculdade com recém completos 17 anos. Nunca fui exatamente uma ótima aluna: eu estava muito preocupada em ser engraçada e sonhar com garotos. Os boletins, que revi em minha visita à secretaria, estavam lotados de notas seis e sete. Ainda assim passei, de primeira, em três boas faculdades, o que comprova que o colégio Agostiniano São José já era muito bom.

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Uma aluna perguntou ao professor se ele já tinha "calibrado a lousa hoje". Um vídeo do Youtube, na lousa, exemplificaria o que tínhamos acabado de aprender. O garoto, ao ler sua narração "Minha bicicleta", começou contando sobre uma busca na OLX. Tudo isso foi me dando certa melancolia.

Os professores me pareceram, em atitudes e técnicas educativas, também mais modernizados, as aulas tinham uma dinâmica que prendia a atenção apesar do horário e da fome. Na minha época, quando dava uma vontade louca de "dar um rolê", eu levantava a mão e pedia para ir beber água. Agora, a maior parte dos estudantes exibe "squeezes" em cima da carteira, ao lado do estojo.

Na minha época, a calça do uniforme era muito larga (ao menos pra mim, que era muito magrela) e eu odiava, não me sentia nem um pouco bonita com ela. Agora as meninas todas usam calças "fusô" (sorry, sou uma tia). Fiquei com mais inveja da calça agarrada do que da lousa high-tech.

Mas, em meio aos alunos, exatamente no prédio e no andar em que estudei por tantos anos (escorreram lagriminhas em vários momentos), percebi que nem tudo mudou: cadernos, livros, canetas coloridas, garotos se exibindo para as meninas mais bonitas, amigas de mãos dadas e muita correria durante o sinal de intervalo.

A professora de interpretação de texto ensinou o que era uma crônica. Pra isso, falou sobre a importância do tempo. Eu estava ali, justamente emocionada com o tempo e pensando em quantas crônicas aquela visita me renderia.

Depois da leitura do brilhante texto "Sexa", de Luis Fernando Veríssimo, a pergunta foi "qual a crítica que o escritor faz aqui?". A resposta correta era "que os adultos nem sempre sabem lidar com as dúvidas das crianças", mas um garoto respondeu "que a gramática é machista". Calou a boca de todo mundo!

Encontrei meu antigo professor de ciências, o Cláudio, que ao me apresentar seus alunos da sexta série, contou que eu era ex-aluna e agora trabalhava no maior jornal do país. As crianças bateram palmas, um pouco (muito) pra tirar sarro da gente.

Uma garotinha usava batom lilás e me olhava curiosa. Senti uma saudade profunda de mim, dos meus pais mais jovens, dos amigos tão íntimos que fui perdendo ao longo dos anos, das brincadeiras no recreio, das apresentações no teatro, do medo da loira do banheiro e das paixonites que mudavam a cada semana. Ao mesmo tempo, senti um desejo profundo de ser logo mãe e poder ter por perto uma garotinha como aquela, de batom esquisito e olhos tão espertos.

Perguntaram se eu queria visitar a capela, achei engraçado e respondi que não. Passei a manhã inteira com crianças dentro de uma escola: nada pode ser mais sagrado do que isso.


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