Folha de S. Paulo


Repórter da Folha passa quatro dias em escola invadida e relata rotina

Veja galeria especial sobre a ocupação da escola Fernão Dias Paes

"A escola agora está ocupada", disseram os alunos do colégio estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros (zona oeste), na manhã de terça (10). Eles chegaram logo cedo e não deixaram a diretora entrar.

Por volta das 9h30, me apresentei como jornalista da Folha e pedi para entrar também. O pedido foi submetido a uma assembleia dos alunos e logo aprovado. Entrei.

Naquele momento, havia cerca de 200 jovens no pátio. A Polícia Militar fechou o portão, e ninguém mais entrava.

O primeiro dia foi tenso. Os policiais repetiam que todos os estudantes seriam levados para a delegacia. E falavam, através da grades: "Daqui a pouco a gente vai encontrar vocês aí dentro". Procurada depois, a PM afirmou agir para assegurar o direito de todos e nega provocações.

Os alunos conversavam entre eles e falavam: "Agora chegou a Tropa de Choque". A chegada da Defensoria Pública deixou o clima mais calmo.

Todos dentro da escola eram adolescentes, entre 15 e 18 anos. A maioria de alunos do colégio, mas havia também gente de fora para apoiá-los.

Não há um líder claro no movimento. A organização parece ser horizontal, sem coordenador. Há uma assembleia atrás da outra –muitas demoradas, em busca de consenso. Chegaram a jogar vôlei na quadra, mas a maior parte do tempo é dedicada às discussões.

Nas primeiras horas de terça, eram 200 pessoas. Mas, assim que o horário das aulas da manhã terminou, muita gente voltou para casa.

Na noite desta sexta (13), restavam cerca de 30 –alguns saíram após os pais, com medo, telefonarem para eles.

Ninguém estava preparado para dormir na escola. Foi a polícia trancar, e começar a aparecer gente trazendo saco de dormir, água, alimentos e escova de dente.

Infográfico: Mudanças na educação

A gestão da ocupação era decidida nas reuniões. Havia a limpeza, a comida, a vigília, a escrita de um manifesto, a interlocução com a defensoria e os pais. Cada função era decidida de forma voluntária entre os estudantes.

Quem se dispunha a fazer qualquer coisa, levantava a mão. No começo, o cardápio era macarrão e suco em pó, pão, manteiga e café. Mas, com as doações, as coisas foram melhorando. Há alguns vegetarianos no grupo, eu incluída, e quem cozinhava sempre se lembrava disso. Apesar da pouca variedade, ninguém ficou sem comer.

A escola tem vários banheiros, mas nenhum chuveiro. Um, então, foi improvisado num cano –todos tomaram banho ali, de água fria.

Para dormir, o grupo se dividiu em dois. Uma parte ficava no corredor e nas salas, enquanto outra permanecia em vigília, ligada na movimentação da polícia lá fora.

Conforme o tempo foi passando, os pais se juntaram à polícia na missão de tirá-los da escola. Era comum ouvir jovens com o celular: "Mas pai, mas pai, quero ficar!".

Quando alunos souberam da ocupação em outras escolas, comemoraram muito.

Percebi uma preocupação deles em manter a escola limpa. Também não vi consumo de álcool e de drogas. Na noite de sexta (13), quando deixei o colégio, todos estavam cansados, mas não pareciam dispostos a encerrar a ocupação.


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