Folha de S. Paulo


Feminismo, tema da redação e autores marxistas provocam 'Fla-Flu do Enem'

A julgar pelo barulho, preocupado mesmo já pode ficar o candidato que só descobriu Simone de Beauvoir após o Enem, no fim de semana.

Fosse apenas isso ainda se daria um jeito. Teve também a redação, em que fugir do tema –quer seja por não entender nada ou por não concordar– acaba em zero e em um ano de estudos água abaixo. De repente, o exame ganhou duas torcidas apaixonadas. Os prós, os contra, e você –que fez a prova– no meio.

O problema todo começou a se desenrolar no sábado (24): um trecho de "O Segundo Sexo", da filósofa feminista francesa, caiu na prova. "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino."

As redes sociais ferveram. Uns gostaram, outros detestaram, alguns nem têm opinião. Some-se a isso, políticos que criticaram e outros que criticaram a crítica dos colegas. Quem até ali não sabia nada sobre a francesa aproveitou para conhecer "novas" expressões. "Misândrica" foi apenas um dos adjetivos.

Para os deputados Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP), tratou-se de "doutrinação imposta pelo PT" e "investida sobre a formação intelectual dos jovens".

No domingo (25) a discussão engrossou. "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira" foi o tema da redação. As "hashtags" foram de "doutrinação feminista" e "feminazis", a "chora machista" e "machistinhas do Enem".

A presidente Dilma (PT) e o ministro Aloizio Mercadante (PT) se manifestaram. Ela, no Twitter: "A sociedade brasileira precisa combater a violência contra a mulher", afirmou. Ele, ao vivo: "As pessoas podem divergir. Mas na educação tem que estar aberto a conhecer e refletir", disse.

"DOUTRINAÇÃO"

As reclamações também miram a escolha dos autores que embasaram as questões. As críticas se centram na falta de equilíbrio entre "marxistas" e "não marxistas".

Maria Helena Guimarães Castro, diretora-executiva da Fundação Seade, e ex-presidente do Inep, não acompanhou a prova deste ano, mas lembra que em 2014, as críticas também existiram. "Muitas tinham fundamento", diz.

Para ela, porém, o problema maior está na cobrança excessiva de conteúdo que o Enem começou a exigir desde 2009, quando passou a selecionar para o ensino superior.

Diretor do Inep até aquele ano, o economista e professor da USP Reynaldo Fernandes diz que acusações são resultado do condicionamento de quem vê apenas o que quer e que o órgão não faz proselitismo político.

"Era a coisa que mais me irritava", diz. A prova do Enem é elaborada com questões do Banco Nacional de Itens, abastecido periodicamente, e com editais divulgados no "Diário Oficial".

O Inep explica que o conteúdo das provas do Enem não são de conhecimento prévio nem do ministro da Educação, nem do presidente do órgão.


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