Folha de S. Paulo


Estudantes trocam anotações em cadernos por foto da lousa no celular

Copiar a lousa? Para que, se dá para fotografá-la? Estudantes de São Paulo usam agora um novo método para registrar a matéria ensinada pelo professor: tirar foto do quadro ao invés de copiar o conteúdo à mão, no caderno.

Segundo os alunos, a lousa vai para o celular quando não dá tempo de copiá-la, quando dá preguiça, quando a lição é passada no fim da aula ou quando o desenho do professor é muito complexo (como os de biologia e química).

Depois, as imagens circulam em grupos de salas no WhatsApp, aplicativo de mensagens pelo celular.

O recurso é usado a partir do momento em que os jovens ganham celular —nos casos observados pela reportagem, pelo menos desde os 11 anos, no 6º ano— e com a anuência dos professores.

Amanda, 16, aluna do Colégio Dante Alighieri, nos Jardins (zona oeste de SP), até criou pastas das disciplinas —como "história" e "biologia"— na galeria de fotos do celular para ficar organizado.

João Vitor, 17, do Magno, diz que esse xerox moderno ajuda a passar o foco da escrita para o professor.

Já Gustavo, também de 17, e aluno do Bandeirantes, admite que, "às vezes não dá tempo e, às é vezes, é a preguiça" que o motiva a tirar fotos.

"Meu pai fala que, quando você escreve, aprende melhor", diz a aluna do Band Gabriela, 11. "Então eu tiro foto e depois passo para o papel."

Psicóloga e professora da Faculdade de Educação da Unicamp, Ângela Soligo diz que não vê problema em tirar fotos da lousa, desde que o estudante se sinta confortável.

"Muitos alunos precisam copiar para prestar atenção. Para eles, só tirar a foto não é tão adequado. Outros preferem e se dão melhor prestando atenção e não se distraindo com a cópia, daí a foto é uma vantagem", observa.

É o argumento de Emerson Pereira, diretor de tecnologia educacional do Colégio Bandeirantes, na Vila Mariana (zona sul de SP). Ele diz que jovens assimilam o conteúdo de formas diferentes, e não é papel dos educadores inibir o mecanismo adotado por eles.

Eduardo Knapp/Folhapress
Alunos do colégio Magno, em SP, fotografam a lousa
Alunos do colégio Magno, em SP, fotografam a lousa

Para o diretor do ensino médio do Móbile, Wilton Ormundo, "fotografar não faz o menor sentido". "A lousa é uma construção de um pensamento que está sendo discutido em sala", diz. "Professores e alunos elaboram juntos um conceito. Com a foto, todo o mecanismo de construção desse saber se perde."

Luciana Fevorini, diretora do colégio Equipe, em Higienópolis (região central de SP) diz que o recurso pode funcionar para um aluno que perdeu a aula, por exemplo, mas não deve ser corriqueiro.

Um estudo da Universidade de Stanford, nos EUA, comparou a eficácia de anotações feitas à mão e pelo laptop. Os pesquisadores concluíram que a escrita era melhor para fixar o conteúdo visto em aula; ao usar o computador, os participantes testados só transcreviam sem reflexão.

E anotar no caderno versus tirar foto da lousa? Segundo a psicóloga americana Pam Mueller, que coordenou a pesquisa, contar com o registro do celular no fim da aula pode atrapalhar a retenção de informação. "Quando você anota, você é forçado a processar a matéria", diz.

'CONSCIÊNCIA LIMPA'

Consulte a galeria de fotos do smartphone de um adolescente. É provável que encontre muitas fotos de lousas, tiradas só para serem descartadas depois. Os adolescentes admitem que nem sempre reveem o conteúdo, mas se sentem seguros por tê-lo à mão.

"Das cinco fotos que eu tirei hoje, só vou ver duas", diz um aluno do último ano do Bandeirantes. "A gente acaba tirando foto mais para ficar com a consciência limpa."

"Com o caderno acontecia o mesmo", avalia a diretora do colégio Magno, Cláudia Tricate. "Há alunos que copiam e nunca mais olham o caderno, ou então que copiam o caderno do amigo para o professor passar o visto. Isso é do aluno, não tem nada a ver com a tecnologia", afirma a diretora.

REGRAS

A nova forma adotada por alunos para registrar as aulas pode esbarrar em regras sobre a simples presença do aparelho nas classes.

As cinco escolas no topo do ranking do Enem em São Paulo divergem quanto ao uso de celular em sala de aula.

No colégio que ficou em primeiro lugar na prova de 2014, o Objetivo, há "um acordo de cavalheiros", segundo a coordenadora geral Vera Lúcia da Costa Antunes.

A professora diz que o aluno tradicionalmente não usa celular durante a aula, mas a escola investe em recursos visuais e incentiva o uso do tablet. O estudante pode registrar a lousa com autorização do professor.

Já no Bandeirantes, 5º no ranking do Enem do ano passado, o uso do celular é permitido —desde que não seja para atividades extraclasse. Segundo Emerson Pereira, diretor de tecnologia educacional da escola, alunos do 6º e do 7º ano usam cerca de 40 aplicativos. Para esses anos, o uso do tablet é obrigatório.

"A sociedade está em rede. A escola não pode colocar um muro", justifica Pereira.

No Vértice, 2º lugar no Enem, celular é proibido. O diretor do fundamental 2 e do ensino médio, Adilson Garcia, diz que "raramente os alunos podem utilizar o celular para pesquisa, sob supervisão dos professor ou, quando participam de projeto envolvendo foto nas aulas de artes".

Slides das aulas são disponibilizados para suprir a necessidade da lousa, afirma.

No Móbile, 3º no Enem, os celulares podem ser usados se houver necessidade pedagógica, mas não para fotografar a lousa, por exemplo.

O Santa Cruz, 4º no Enem, informa que algumas atividades didáticas preveem a utilização do celular.

Para Bruna Waitman, do Media Education Lab, empresa de inovação na área de educação, "quando a escola proíbe o uso do celular, ela inibe o aluno que poderia potencializar o aprendizado com aquela ferramenta".

Waitman diz que as escolas que aceitam celular na sala dão aos alunos mais autonomia para decidir que forma de aprendizado é melhor, no caso das imagens de lousas.

No Dante, placas em frente às salas alertam que é proibido tirar fotos ou gravar vídeos pelo celular sem a autorização do professor. Alunos dizem, porém, que a maioria permite fotografar o quadro.

No colégio Equipe, o celular deve estar desligado e na mochila, porque chama a atenção do aluno, segundo a diretora Luciana Fevorini.

As salas de aula do Magno têm QR codes (código de barras que podem ser escaneados por celulares e tablets) com informações como lição e cardápio do dia.


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