Folha de S. Paulo


USP quer cassar aposentadoria de ex-reitor por 'lesão aos cofres públicos'

O reitor da USP, Marco Antonio Zago, abriu processo interno contra seu antecessor, João Grandino Rodas, para cassar a aposentadoria do ex-dirigente. A alegação é que Rodas tomou medidas que causaram "lesão aos cofres públicos" e desequilíbrio financeiro da universidade.

O ex-reitor, de 70 anos, cumpriu mandato entre 2010 e 2014 e se aposentou em agosto passado, com um salário bruto de R$ 20 mil.

Se a punição for confirmada, será a primeira vez na história da USP que um reitor perde sua aposentadoria.

Em sua defesa, Rodas afirma que não tomou as medidas sozinho e que o próprio Zago tinha conhecimento das ações, pois era seu pró-reitor.

O processo administrativo disciplinar contra o ex-reitor, assinado pelo atual dirigente, foi instaurado em junho.

Começou após sindicância indicar que Rodas desconsiderou opiniões técnicas e o Conselho Universitário (instância máxima da escola) ao adotar medidas que aumentaram os gastos da USP.

Cris Komesu - 4.jan.2011/Folhapress
O ex-reitor da USP João Grandino Rodas, que pode ter aposentadoria cassada
O ex-reitor da USP João Grandino Rodas, que pode ter aposentadoria cassada

REAJUSTES

Um dos principais fatores citados para o crescimento das despesas foi uma nova carreira para técnicos administrativos, que chegou a possibilitar aumento de mais de 200%, em quatro anos, para alguns funcionários.

Segundo a sindicância, apesar de a política ter sido aprovada pelo Conselho Universitário, foi o reitor que definiu alguns dos índices de reajustes concedidos e o ritmo desses aumentos.

A sindicância questionou também a pertinência da concessão de grandes aumentos ao pessoal de apoio. Rodas defendia que os salários estavam defasados à época.

Devido aos reajustes e a novas contratações, entre 2009 e 2013 houve um crescimento de 84% nos gastos com pessoal –de R$ 2,37 bilhões para R$ 4,35 bilhões. Enquanto isso, a elevação nos repasses do Estado, que sustentam a USP, se limitou a 50,8%.

A universidade passou a gastar mais do que recebe apenas com folha de pagamento. Desde o ano passado, contratações e obras foram suspensas e cerca de 5% dos funcionários foram cortados, por meio de um programa de demissão voluntária.

Ainda assim, atualmente a instituição usa 102% do que recebe com pessoal. Reservas orçamentárias próprias estão cobrindo o deficit.

Infográfico: O que a sindicância apontou

RESPOSTA

Em um documento enviado à comissão de professores da USP que analisa esse caso, o ex-reitor afirmou que Zago é "interessado no julgamento", já que foi pró-reitor de pesquisa na sua gestão, "com mandato que lhe dava todo o poder de fala".

"Se todo o procedimento administrativo na época tivesse sido errado [...], como é aventado, [Zago] foi omisso e deve responder por isso."

Após ser notificado do processo que pode levar à cassação de sua aposentadoria, Rodas fez representação contra Zago na Comissão de Ética do Estado, por entender que o atual reitor cometeu irregularidades no processo.

"Não se diga que o reitor Zago desconhecia o que se passava na USP, por mais de quatro anos, em matéria tão importante e de interesse de todos, como a de vencimentos de docentes e técnicos administrativos. Tal alegação seria pueril ou mesmo fruto de má fé!", escreveu Rodas em sua defesa na USP.

Procurado pela reportagem nesta semana, Zago não se manifestou sobre as críticas feitas pelo ex-dirigente. Ele e Rodas romperam no fim do mandato do ex-reitor -que apoiou outro candidato na eleição à sua sucessão.

Fabio Braga - 15.ago.2014/Folhapress
Marco Antonio Zago, reitor da USP, que abriu processo contra seu antecessor
Marco Antonio Zago, reitor da USP, que abriu processo contra seu antecessor

OUTRO LADO

O ex-reitor da USP João Grandino Rodas contesta diversos pontos do processo administrativo disciplinar aberto contra ele pelo reitor atual, Marco Antonio Zago, e afirma acreditar que não terá sua aposentadoria cassada.

O ex-reitor aponta que: 1) Zago não poderia julgar alguém que ocupou o mesmo cargo que ele; 2) é ilegal a indicação da professora da USP Maria Sylvia Di Pietro como presidente da comissão que julga o processo administrativo porque é aposentada; 3) por ser autora de pareceres contrários a ele em outros processos, essa professora não poderia julgá-lo; 4) a aposentadoria não poderia ser cassada, já que esse é um tema "estritamente previdenciário".

Para Rodas, "a atual reitoria deve saber que não pode me punir, mas eles querem que eu seja pelo menos exposto publicamente".

Rodas ainda argumenta que, na época dos aumentos salariais, ele não previa que a arrecadação do Estado desaceleraria.

A USP não comentou as críticas feitas pelo ex-reitor.

Rodas enviou representação para a Comissão de Ética do Estado pedindo instauração de processo contra Zago e a professora Di Pietro.

O professor de direito administrativo da PUC-SP Márcio Cammarosano afirma ser legal que um reitor abra processo contra um ex-reitor. O que seria impossível, diz o professor, é que o processo fosse aberto por alguém hierarquicamente inferior.

Para Cammarosano, uma professora aposentada, de fato, não poderia presidir a comissão processante (deveria ser um docente da ativa). "Professor aposentado, no meu modo de entender, é ex-servidor", diz ele.

Quanto aos pareceres contrários a Rodas emitidos pela professora, Cammarosano diz que, se não tratavam do tema analisado agora no processo, não há problema –em tese, a professora poderia manter a imparcialidade.

Por fim, ele ressalta que a legislação prevê a cassação da aposentadoria de servidores aposentados.

"A lei é controversa, mas existe, e a universidade não pode ignorá-la enquanto não for modificada. "Há quem entenda que ela não é constitucional", diz Cammarosano. "Resta ao ex-reitor tentar invalidar essa decisão recorrendo ao Judiciário ou então pleiteando uma medida liminar."


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