Folha de S. Paulo


Mercadante defende mais gramática no currículo nacional de educação

A proposta para um currículo nacional apresentada mês passado praticamente não faz referências ao ensino de gramática. A opção desagradou pesquisadores e até o novo ministro da Educação, Aloizio Mercadante –que defende que a norma culta esteja mais presente.

O documento foi elaborado por uma comissão de especialistas, articulada pelo Ministério da Educação, e está agora aberto para o debate público. A proposta final deve ser fechada até 2016, já com a chancela do governo.

O currículo nacional (oficialmente chamado de Base Nacional Comum Curricular) deverá nortear o que será ensinado em todas as escolas de educação básica do país. Hoje, as escolhas estão nas mãos das redes e das escolas.

A pouca ênfase em gramática foi levantada pelas pesquisadoras Paula Louzano (doutora em educação pela Universidade Harvard) e Ilona Becskeházy (doutoranda em educação pela USP).

Currículo Nacional da Educação Básica

Após analisarem o documento referente à língua portuguesa, elas detectaram que apenas até o terceiro ano do ensino fundamental havia referências diretas à gramática –e, ainda assim, escassas.

Para essa série espera-se, por exemplo, que o aluno saiba "registrar e ler adequadamente palavras com marcas de nasalidade (til, m, n)".

Para as séries seguintes, há apenas referências indiretas à gramática, segundo a avaliação das pesquisadoras.

No nono ano do ensino fundamental, por exemplo, o aluno deve "analisar a argumentação em gêneros como editorial, artigo de opinião etc., observando tipos de argumentos, recursos de coesão e de modalização".

Para a comissão que fez o documento, aqui subentende-se o ensino de "elementos de coesão, ou seja, de categorias gramaticais como as preposições, as conjunções, os pronomes, os advérbios".

Currículos locais já em prática no país adotaram lógica diferente. A da rede estadual de São Paulo, a maior do país, deixa claro o que deve ser ensinado em gramática.

Para o mesmo nono do fundamental, está explícita a indicação de que o aluno já deve dominar o uso da crase e da regência verbal e nominal.

DEBATE

Professoras da comissão responsável pelo português na base nacional disseram, em nota, que pesquisas "mostram que o ensino da gramática desvinculada de contexto de leitura/escrita, desassociada de prática social, tem se mostrado ineficiente".

Ou seja, o estudante tende a não assimilar bem se o ensino de gramática é feito de forma direta.

O texto é assinado por três docentes de universidades federais em Minas e por uma de instituto federal em Goiás.

Questionado na sexta (9) pela Folha, o ministro da Educação disse discordar da avaliação da comissão. "Você domina língua com gramática. A norma culta é discussão fundamental, precisamos reforçá-la." Mercadante disse esperar que haja mudanças no texto após os debates.

O levantamento das pesquisadoras Becskeházy e Louzano apontou que a lógica implementada no documento brasileiro destoa do que é praticado em outros países, como Austrália, Estados Unidos e Reino Unido.

Além da pouca ênfase à gramática, a base nacional não prevê progressão do aprendizado (atividades propostas têm pouca conexão entre si).

"Do jeito que a proposta está, fica a critério do professor ensinar o que quiser", afirmou o presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Oliveira, voltado à alfabetização. "Só funcionaria se tivéssemos uma multidão de professores muito bem preparados. Não é o caso."

Além de português, há críticas públicas ao documento referente a história. O ex-ministro Renato Janine Ribeiro reclamou em redes sociais que a proposta praticamente ignora o que não é África e Brasil. Foi na gestão dele que o documento foi lançado.


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