Folha de S. Paulo


Escola integral deve garantir lugar para descanso, aliado do aprendizado

Letícia, 5, iniciou sua rotina escolar aos seis meses de vida no berçário de período integral Ursinho Branco.

Segundo a mãe, a psicóloga Walkiria Boschetti, 45, para que pudesse ficar tranquila com a opção por um berçário, o espaço deveria ter uma equipe multidisciplinar e proporcionar tempo e lugar para brincadeiras e esportes e para horas de sono.

"Minha filha nunca foi uma menina cansada por permanecer na escola por mais tempo, até porque a rotina é bastante equilibrada", diz.

Longe da função de apenas descansar o corpo, o sono na infância tem um valor muito maior. Segundo a neuropediatra Lucila Prado, pesquisadora do Laboratório Neuro-Sono da Universidade Federal de São Paulo, a hora de dormir é uma aliada do aprendizado na infância.

Ao dormir, há dois níveis de sono: um ligado à construção da memória e da cognição, em que há intensa atividade cerebral, chamado REM ("rapid eye moviment", ou movimento rápido dos olhos); e outro, menos profundo, relacionado ao crescimento e à renovação celular.

O sono REM, que ocupa de 20% a 25% do sono completo, é caracterizado por alta atividade cerebral. "O cérebro fica tão ativo que é nesse momento que se produzem os sonhos", explica a neuropediatra. Durante o sono REM, as experiências da criança se tornam memórias que dão suporte a habilidades de resolução de problemas.

"Ao nascer, a memória é uma folha em branco. Há muito a aprender. Por isso, um recém-nascido dorme em torno de 20 horas por dia. Tudo o que vê, ouve, sente, cheira, degusta e toca são informações novas que precisam ser armazenadas", diz Prado.

A partir do primeiro ano de vida, a criança divide melhor os períodos de sono, e é nesse ponto que a escola entra. "Se a criança estiver na faixa dos dois cochilos ao dia (1 a 3 anos), ou de um só (4 a 6 anos), isso tem de fazer parte do currículo escolar." Ou seja, para um desenvolvimento saudável na escola, é preciso garantir o descanso. "O descanso diurno não é cochilo. É um sono completo, com todas as fases", diz Prado.

hora de deitar - Tempo de sono recomendado de acordo com a faixa etária

DIVERSÃO

Além do sono, a diversão no período integral também é necessária. "A escola deve pensar sua proposta pedagógica de forma que a criança tenha prazer em estar ali, que aprenda e se divirta", diz Maria Clotilde Therezinha Fereira, pesquisadora em psicologia do desenvolvimento da Universidade de São Paulo.

Na lista de apostas lúdicas dos colégios de São Paulo, estão brincadeiras tradicionais, filmes, artes plásticas, atividades circenses, dança, cultivo de horta e culinária.

"Os momentos de brincar e de descansar são tão importantes nessa fase da vida quanto a estimulação em sala de aula. Deve haver espaço para ambos", afirma Taymara Verdun, psicóloga comportamental do Hospital Israelita Albert Einstein.

Ao escolher um colégio, os pais devem prestar atenção à forma de organização do tempo. "Os pais não devem temer que atividades lúdicas e momentos livres de lazer estejam presentes na rotina escolar de seus filhos", diz Vania de Araújo, coordenadora do grupo Infância, Educação, Sociedade e Cultura, da Universidade Federal do Espírito Santo. "Quando a criança brinca, está aprendendo."

Em sua família, foi Manuela, 8, que deu os primeiros passos no universo do semi-integral, há quatro anos. O sucesso na adaptação foi determinante para que os pais também colocassem Maria Fernanda, 5, e Rodrigo, 4, na escola, também bilíngue.

Karime Xavier / Folhapress
Flávia Andrade entre os filhos Manuel, 8, Maria Fernanda, 5, e Rodrigo, 4
Flávia Andrade entre os filhos Manuel, 8, Maria Fernanda, 5, e Rodrigo, 4

"Nós queríamos que eles tivessem uma segunda língua. Mas de forma alguma queríamos nossos filhos esgotados ao fim do dia", diz Flávia Melissa Correas de Andrade, 38, mãe das crianças.

Com aulas diárias de espanhol e estrutura curricular diversificada, o colégio paulistano Miguel de Cervantes foi o escolhido da família.

"Temos o regime integral três vezes por semana. É benéfico que as crianças estejam em casa pelo menos em dois dias, por isso oferecemos esse descanso", diz Denise Tonello, orientadora educacional e pedagógica do ensino infantil do colégio.

Há, porém, famílias que não têm com quem deixar as crianças nessas outras duas tardes e optam por aulas extracurriculares no período.

Manuela, Maria Fernanda e Rodrigo estão entre os que voltam para aproveitar o tempo livre em casa. Mas são uma minoria. Segundo Tonello, dos 120 alunos do ensino infantil, cerca de 90 aderem às atividades da tarde, permanecendo na escola integralmente todos os dias.


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