Folha de S. Paulo


No interior do ES, escolas para filhos de agricultores vão bem no Enem

Todos os dias da semana, por volta das 18h, uma van cruza as duas ruas de terra que formam o povoado de Vieira Machado, no interior do Espírito Santo, levando os filhos adolescentes de pequenos agricultores da região.

O destino é a escola estadual Professora Maria Cândido Kneipp, –segunda colocada no último Enem entre aquelas com alunos de nível socioeconômico baixo.

O distrito de Vieira Machado faz parte do município de Muniz Freire (120 km de Vitória). Uma estrada de terra liga o povoado à sede –a viagem dura uma hora.

Outra escola da cidade, a Judith Viana Guedes, no distrito de Itaici (cerca de uma hora do centro do município), também foi bem no exame –foi a 18ª, entre aquelas com o mesmo perfil, nas provas objetivas (sem contar redação).

As duas instituições têm perfil semelhante: são pequenas (40 alunos cada uma) e dedicadas a filhos de agricultores. Foram criadas em 2007 e dividem o espaço com escolas municipais. Pela manhã, funciona o ensino fundamental; à noite, o médio.

Antes da criação das escolas, os alunos dos distritos precisavam estudar na sede do município, em Muniz Freire. Muitos acabavam abandonando o estudo. "Você pega os 40 alunos que temos hoje. Se precisassem ir até lá, apenas dois ou três conseguiriam. O resto desistiria", afirma Luciana Soares Zuim, coordenadora da Maria Cândido (com menos de cem alunos, a escola não tem diretor).

Com a mudança, o transporte vai buscar os estudantes mais próximos de onde moram. "A gente trabalha na roça o dia inteiro, mas dá um jeito de vir aqui estudar. Em Muniz não daria para chegar", diz Júlio Cezar Silva,16, aluno do 2º ano do ensino médio.

PEQUENOS
As salas com cerca de 15 estudantes facilitam a interação, segundo as coordenadoras. "Conhecemos todos os alunos. Sabemos se alguém está feliz, triste", diz Zuim.

"Quando alguém falta, eu vou até a casa falar com os pais", diz Milene Nolasco, coordenadora da Judith Viana. "Com muito aluno, não tenho como fazer isso", diz.

Para ilustrar a vantagem da escola menor, a professora de história Silvia de Almeida cita um projeto feito por ela e pelas docentes de português e artes. "Sentamos os três professores e fizemos um trabalho conjunto, cada um explicava a sua área", conta ela. "Em uma escola com 40 alunos por sala, é impossível".

Já em Vieira Machado, há grupos de WhatsApp em que os estudantes podem tirar dúvidas com os docentes. "O problema é que poucos alunos têm celular", diz Daisa da Silva, professora de física.

Um dos maiores desafios, segundo os professores, é aproximar a escola do cotidiano dos alunos, que trabalham na roça durante o dia. Para isso, são tomadas algumas medidas simples, como permitir que os estudantes cheguem mais tarde à aula durante a colheita do café, principal cultura da região.

"Muitos alunos chegam achando que vão ser agricultores a vida toda. Mostramos a eles que podem ter outras opções", explica Danilo Soares, professor de química da Judith Viana.

Para estimular o ingresso na faculdade, a Maria Cândido fez uma feira de profissões no primeiro semestre. Alunas do 3º ano, Gabriela Fragoso, 17, e Marinara Rizo, 18, querem fazer psicologia e arquitetura. "Vários ex-alunos já passaram no vestibular, então vamos tentar", diz Gabriela.

O secretário de Educação do Espírito Santo, Haroldo Rocha, considera que a situação das duas escolas é uma "raridade" e não pode ser replicada. "Quando você tem poucos alunos, o desempenho é melhor, porque já há uma seleção", diz. "Essa não é a realidade da rede pública, é uma situação extraordinária."


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