Folha de S. Paulo


análise

Educação a distância deixa claro desafio por ensino em rede

A eficácia da EaD (educação a distância) é questionada por aqueles que imaginam que essa modalidade ainda se desenvolva de maneira instrucional, em que o aluno se encontra sozinho em seu processo de aprendizagem guiado pelo material didático.

A desconfiança é ressonância do histórico da EaD, que tem por referência o ensino por correspondência, via rádio ou por televisão, realizado no decorrer do século 20, com o objetivo de promover a alfabetização e a formação profissionalizante. Nesse contexto, a comunicação entre estudantes e professores era limitada ou quase nula, com o foco na autoaprendizagem.

Mesmo mantendo os elementos essenciais, que são os processos educativos mediados por uma tecnologia de comunicação e sujeitos em tempos e espaços diversos, a educação a distância correu na esteira das mudanças sociais e tecnológicas ocorridas nos últimos anos e teve os seus princípios educativos alterados.

Em termos pedagógicos se fundamenta na colaboração, na flexibilidade, na autonomia -sem que o estudante fique sozinho -, na interatividade, na interação, na diversificação de materiais, entre outros pontos.

Normalmente, os processos de ensino e aprendizagem são mediados por tecnologias digitais da comunicação e da informação em que, na maioria das vezes, são utilizados os AVAs (Ambientes Virtuais de Aprendizagem), que permitem um diálogo constante entre os profissionais do magistério e estudantes, entre estudantes e estudantes e entre estudantes e materiais por meio de fóruns, chats, mensagens ou outro recurso de comunicação virtual, seja em tempo diferenciado, seja ao mesmo tempo.

No Brasil, outra característica complementa a definição de educação a distância: os constantes encontros presenciais que, por definição, podem ser chamados de semipresenciais, o que indica uma dependência entre essa e a educação tradicional.

Entretanto, a dúvida sobre a eficácia e validação dos cursos a distância permanece. Pode-se destacar que essa modalidade, de modo geral, atende um público adulto composto, normalmente, de trabalhadores, o que lhes exige, para além dos estudos de conteúdos, o desenvolvimento da disciplina, da autonomia e da regulação da própria aprendizagem, tornando-os igualmente capacitados aos alunos de cursos presenciais.

É importante destacar que somente podem oferecer EaD instituições reconhecidas e credenciadas pelo Ministério da Educação, submetidas ao mesmo procedimento de avaliações regulares. Os alunos passam pelo Enade (exame federal aplicado aos concluintes do ensino superior) e, por isso, os diplomas atestam a capacitação dos formandos em cursos EaD com validade nacional.

Linha do tempo da Educação a Distância; Crédito Editoria de Arte/Folhapress

A educação a distância no Brasil cresceu vertiginosamente na última década por investimento das instituições privadas e de programas governamentais, em que se destaca a UAB (Universidade Aberta do Brasil) e o E-TEC (Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil), sobretudo, com incentivo a formação de professores em graduação, pós-graduação de níveis lato sensu e sctricto sensu, e em áreas administrativas e na educação profissional. Esse é um dos motivos que fazem com que aumente o interesse na modalidade e a luta pela sua institucionalização no país.

A EaD foi reconhecida como modalidade de ensino em 1996. Em 2005, foi publicado o decreto que a regulamenta e, desde 2012, uma série de entidades, de organizações e pesquisadores vem debatendo um novo marco regulatório para a EaD. Este visa estabelecer as diretrizes e bases para a área no ensino superior.

Em novembro do ano passado, foi realizada uma audiência pública para discutir esse novo marco. Esses quase 20 anos de experiências e de debates possibilitaram a elaboração de um documento em que se percebe um amadurecimento das noções e das necessidades da educação a distância no país, mas que ainda deixa algumas lacunas.

Entre os temas mais desejosos de mudança estão a valorização dos docentes e tutores atuantes na modalidade, que têm o seu trabalho precarizado, sobremaneira, pela ausência de um plano de carreira e pelos contratos via bolsas.

No documento existe a menção de que esses profissionais deveriam ser compreendidos como trabalhadores de direito, mas não menciona como as contratações poderão acontecer, de que modo passem a integrar o quadro docente da instituição.

Outro ponto fulcral refere-se à institucionalização da modalidade, sobretudo, das ofertas da UAB. A proposta para esse novo marco entende que a oferta de educação a distância deve ser incorporada aos Planos de Desenvolvimento Institucional, Pedagógico Institucional e de Cursos, o que, de certo modo, realoca a EaD -que deixa de estar à parte das instituições para se tornar parte delas.

Por outro lado, essa proposta exige uma remodelação administrativa e financeira para a oferta das duas modalidades, uma vez que as universidades brasileiras se caracterizam pela oferta presencial. O que nos parece ser apenas um desejo dos defensores da EaD, mas que ainda encontram barreiras das próprias instituições.

DESAFIOS

Os desafios são permanentes. Para cada nova experiência e contexto, novos dilemas são revelados. Por isso, a necessidade de renovação dos marcos regulatórios para a EaD.

Mais que uma estratégia de ampliação de vagas no ensino superior, a EaD deve ser compreendida como uma modalidade que permita o desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem de qualidade, em que os sujeitos estejam em interação constante, em que sejam produzidos materiais adequados, que acompanhem o desenvolvimento teórico e tecnológico, de modo que deixe de ser uma educação considerada de "segunda categoria".

Agora, resta saber se estaremos preparados para os próximos desafios que se colocam, como a realização da educação aberta e em rede -entre instituições, docentes e estudantes -; a integração das modalidades presencial e a distância; do compartilhamento de materiais através dos REAs (Recursos Educacionais Abertos); dos MOOCs (sigla para curso on-line aberto em massa) e todos aqueles que a cada dia despontam.

FERNANDA ARAUJO COUTINHO CAMPOS é doutoranda em educação pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisa a convergência da educação presencial e a distância no ensino superior


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