Folha de S. Paulo


Da roça ao diploma: Flávia trocou a costura por curso de pedagogia on-line

Flávia Lima, 40, deixou a escola quando tinha nove anos para trabalhar na roça, no interior de Minas Gerais. Aos 25 anos, decidiu voltar a estudar em casa e conseguiu tirar os certificados dos ensinos fundamental e médio sozinha. Prestou Enem e passou no curso de pedagogia a distância da Universidade Federal de Minas Gerais. Hoje, no terceiro ano da faculdade, já trabalha na área e tem o projeto de mestrado pronto: quer estudar a importância da literatura para crianças na educação infantil.

Alexandre Rezende/Folhapress
A estudante de pedagogia on-line, Flávia Lima, em sua casa, em Belo Horizonte
A estudante de pedagogia on-line, Flávia Lima, em sua casa, em Belo Horizonte

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Cresci na roça, no interior de Minas. Fui criada para casar. A escola mais perto da minha casa ficava a 36 km e não tinha transporte público. Quando terminei a quarta série, parei de estudar.

Aos 20, me mudei para Belo Horizonte e comecei a trabalhar como costureira, profissão da minha mãe. Na mesma época, tive duas filhas, com dois anos de diferença. Trabalhava 12 horas por dia. Não tinha ajuda em casa. Voltar para a escola passou a ser um sonho impossível.

Um dia, decidi estudar sozinha as matérias do ensino fundamental e médio. O governo aplicava provas semestrais de supletivo, qualquer um podia prestar e tirar os certificados de conclusão.

Fui estudando e fazendo as provas aos poucos até que "eliminei" todo o segundo grau. Tinha 27 anos. De certa forma, já era educação a distância, mas eu não sabia.

Com o diploma na mão, a faculdade ainda parecia fora da minha realidade. Decidi prestar o Enem para ver como era. Não imaginava que iria bem, mas consegui uma boa pontuação.

Entrei no site da Universidade Federal de Minas Gerais e vi um anúncio sobre o curso de pedagogia a distância. Me deu muita vontade de tentar. Sempre fui apaixonada pela profissão e por tudo o que a educação pode representar na vida de uma pessoa. De novo, não pensei que passaria, mas graças a Deus deu certo.

Estou no sexto semestre do curso, são oito no total. No começo, ainda trabalhava como costureira, mas tive reumatismo nas mãos e tive que deixar o trabalho ainda no primeiro ano da faculdade.

Quando isso aconteceu, procurei estágios. Arrumei dois empregos em escolas de educação infantil e mais uma bolsa da faculdade. Consegui ter a renda que tinha antes e me envolver na área.

Minha vida mudou. Estudo em média quatro horas por dia, às vezes mais. Adoro estudar. Tenho contato com pessoas de várias cidades que fazem o curso. Alguns vêm a minha casa para atividades em grupo. É muito bom.

O curso é mais difícil do que eu pensava. Tenho um perfil autodidata, quase sempre estudei sozinha, mas mesmo assim não é fácil. É uma faculdade talvez até mais difícil do que a presencial, porque exige muito do aluno. Tem que ter organização e disciplina. Mas para mim foi um achado, a saída para realizar meu sonho.

Eu não conseguiria frequentar faculdade presencial por mil motivos. Por ser longe da minha casa, por não ter tempo... A distância, faço meus horários e estudo quando posso: às vezes, de madrugada, às vezes, no fim de semana.

PIONEIRA

Serei a primeira da minha família a se formar. Meu pai e minha mãe são semi-analfabetos. Meus irmãos só têm o ensino fundamental.

Depois de mim, minhas filhas decidiram fazer faculdade também. A mais velha, que tem 20 anos, faz licenciatura em matemática e a mais nova está com 18 anos e também já vai entrar na faculdade.

Depois que me formar, quero continuar estudando. Já tenho um projeto de mestrado quase pronto sobre a importância das mediações literárias para a criança que ainda não sabe ler. Quero discutir o que é preciso fazer desde a educação infantil para que a criança se torne uma leitora crítica.

Dar aulas e seguir pesquisando é o que quero para a minha vida. Já passei na primeira etapa do concurso para ser professora da rede municipal aqui de Belo Horizonte. Agora estou esperando o resultado final.


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