Folha de S. Paulo


3ª geração de domésticas, Mayla fez faculdade on-line e já visa o mestrado

Terceira geração de empregadas domésticas, Mayla Valentin Gonçalves, 40, começou a trabalhar aos 11 anos e só estudou até a sétima série. Graças ao ensino a distância, conseguiu se formar em serviço social entre uma gravidez e outra e mudou de profissão. Hoje, é tutora on-line da mesma instituição em que estudou: a Unopar, em Londrina (PR). Está terminando uma pós-graduação e sonha em fazer mestrado.

Sergio Ranalli/Folhapress
Mayla Gonçalves no seu trabalho em serviço social, em Londrina (PR); ao fundo, roupas que serão doadas
Mayla no seu trabalho em serviço social, em Londrina (PR); ao fundo, roupas que serão doadas

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Minha história começa com um "não". Eu morava em Teresópolis (RJ) e me candidatei a gerente de loja. Quando a dona do negócio viu meu currículo, disse: "Aqui só trabalha quem tem ensino médio".

Eu tinha estudado até o sétimo ano. Sou de uma família de empregadas domésticas. Minha mãe e minha avó foram domésticas, e eu também, desde os 11. Trabalhava o dia todo e não conseguia estudar, não tinha cabeça.

Até que esse "não" profissional mudou a minha vida. Fiquei com raiva e decidi fazer supletivo. Tinha 33 anos. Cursar faculdade ainda era um sonho impossível, mas depois que terminei o médio comecei a pensar nisso.

Nessa época, eu e meu marido decidimos nos mudar para Londrina (PR). Chegamos em junho de 2008. Em agosto de 2009, eu já estava prestando o primeiro vestibular.

Coloquei na cabeça que ia estudar mesmo grávida da minha segunda filha. Um dia, uma amiga me disse que eu era parecida com uma assistente social que ela conhecia. Assistente social? Mas o que é isso? Coloquei no Google e li tudo sobre o curso.

Foi como se acendesse uma luz. Pensei: "É isso que quero!". Sempre me interessei pelos direitos das pessoas.

Mas eu não tinha o perfil de quem vai para a faculdade todo dia. Trabalhava de segunda a sábado, das 7h às 17h30, tinha uma criança com cinco anos e estava grávida de outra. Eu era excluída do sistema de ensino presencial. A única opção era o ensino a distância. E me agarrei a ela.

No primeiro ano de curso, ainda trabalhava como doméstica. No segundo, entrei num processo seletivo para ser estagiária da prefeitura. Fui selecionada. Mas ninguém me queria como estagiária porque sabiam que eu era de ensino a distância.

Um mês e meio mais tarde, duas supervisoras perceberam minha vontade de aprender e me deram uma oportunidade. Passei a fazer só o estágio. Troquei um salário de R$ 900 por uma bolsa de R$ 700. As coisas ficaram mais difíceis, às vezes não tinha dinheiro para pegar ônibus.

Depois de seis horas de estágio, chegava em casa, cuidava dos filhos e às 21h começava a estudar. Alguns dias só parava de madrugada. Mas, como era algo de que eu gostava, se tornou um lazer.

Eu me formei em março de 2014, grávida da minha terceira filha. Fiquei mais nervosa com a formatura que com meu casamento. E na mesma semana consegui trabalho na própria instituição, como tutora on-line.

Quando me apresento aos alunos de EaD, digo que era como eles e dei certo.

Estou terminando uma pós-graduação em gestão social e políticas públicas. Meu plano é fazer mestrado, prestar concurso e continuar trabalhando na universidade.

O ensino a distância tem deficiências. Toda modalidade tem. Mas, se há comprometimento, o sucesso vem.

Foi graças a esse modelo que eu pude estudar e mudar a realidade da minha família. Meu marido também decidiu fazer faculdade e se forma em pedagogia agora em agosto, também a distância.


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