Folha de S. Paulo


'Ainda temos poucos brasileiros', diz reitor do MIT

Primeiro latino-americano a se tornar reitor de uma das melhores universidades americanas, o venezuelano L. Rafael Reif, 64, conta que chegou aos EUA em 1974 "quase sem falar inglês".

À frente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), única universidade no mundo que está, ao mesmo tempo, entre as cinco mais premiadas com o Nobel e entre as cinco maiores detentoras de patentes nos EUA, Reif diz que os professores precisam ser estimulados a "resolver problemas do mundo real" e a se "beneficiar" com suas descobertas, inclusive abrindo empresas.

E que crianças devem aprender a programar computadores "o mais cedo possível".

Ele diz que o número de estudantes brasileiros no MIT ainda é baixo, comparado a outros emergentes, "talvez porque não saibam que ajudamos os estudantes sem recursos, o importante é se candidatar a uma vaga".

Em sua primeira visita ao Brasil no cargo, ele se reunirá com reitores brasileiros e líderes da comunidade judaica em São Paulo. A seguir, trechos da entrevista.

Rodrigo Capote/Folhapress
O reitor do MIT, nos EUA, L. Rafael Reif
O reitor do MIT, nos EUA, L. Rafael Reif

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AJUDA FINANCEIRA

Só há 76 estudantes brasileiros no MIT, de um total de 11 mil alunos: 19 na graduação e 57 na pós-graduação. É relativamente pouco. Talvez o MIT não seja suficientemente conhecido no Brasil. Mas talvez a maior razão seja que muita gente acredite que seja caro demais ou inviável estudar aqui. É importante avisar que não olhamos a capacidade financeira na hora da inscrição. Você se candidata e, se for aceito, nós ajudamos em tudo que for possível.
Um terço dos estudantes de graduação não paga nenhuma anuidade. A muitos outros damos algum apoio. Com isso em mente, talvez mais brasileiros ao menos concorreriam às nossas vagas.

SEM FALAR INGLÊS

É possível chegar a uma universidade americana quase sem falar inglês. Eu não recomendo, porque foi muito duro. Eu não falava nada de inglês. Eu estudei o inglês técnico de matemática e engenharia na Venezuela, lia apostilas, muita coisa escrita por professores do MIT. Muita coisa não era traduzida para o espanhol, então eu tinha que me virar. Mas não conseguia ler jornal, por exemplo.

No meu primeiro ano nos EUA, lembro que anotava foneticamente muitas coisas que os professores falavam e à noite eu usava um dicionário para saber o que tinham dito. Foi puxado, mas deu para superar.

NOBEL E PATENTE

A missão do MIT diz que devemos usar o conhecimento para resolver os maiores desafios da humanidade, e por 150 anos fazemos isso. Somos uma rara universidade que tem igual sucesso em prêmios Nobel como em patentes.

Mil empresas por ano são criadas por nossos alunos. 25 empresas são criadas com propriedade intelectual de professores por ano. Celebramos tanto quem estuda a origem da vida como quem descobre mais água potável e comercializa a descoberta.

PROFESSOR-EMPREENDEDOR

O ambiente aqui premia os cientistas que, por definição, querem encontrar soluções para um problema. Ninguém vai brecar você com seus experimentos. Temos um escritório de licenciamento que conecta nossos pesquisadores com empresas que queiram comercializar as descobertas e os ajudamos a patentear. Mas diversos professores querem abrir suas próprias empresas, e isso também é estimulado. Temos cientistas com mais de mil patentes. É nosso DNA.

CRIANÇA PROGRAMANDO

Quanto mais cedo as crianças estudarem e se interessarem por ciências, tecnologia, engenharias e matemática, mais cedo elas se divertirão e estarão preparadas para uma economia que gera empregos criados para quem tem essas capacidades. Nossa educação básica ainda não chegou lá, temos que começar bem mais cedo que hoje. Quanto mais cedo uma criança aprender a programar, melhor.

Quando eu tinha oito anos, vi um datilógrafo usando uma máquina de escrever e fiquei fascinado. Quis aprender, claro. E isso me serviu muito depois.

MULHERES E CIÊNCIA

Em boa parte do mundo, as mulheres estão sub-representadas no mundo da ciência e da tecnologia, mas não no MIT. Admitimos os melhores e temos quase paridade: 49% dos alunos na graduação são mulheres. A mudança começa assim.

PESQUISAS NO MIT

Poderia passar um dia inteiro contando o que se pesquisa hoje no MIT. Estamos estudando o uso de nanopartículas para detectar mais rapidamente o estágio inicial de doenças como câncer, algo a ser utilizado naquela avaliação médica anual a que os americanos se submetem.

Outro grupo está usando nanotecnologia para descobrir como capturar o oxigênio e evitar que alimentos se estraguem antes de chegar a seu destino Ð1/3 do alimento do mundo é desperdiçado.

E, para falar de algo que sei que interessa em São Paulo, pelo que leio nos jornais, estamos estudando como dessalinizar a água do mar em grande escala e de forma mais barata.

PARCERIA COM O BRASIL

A razão da minha visita é descobrir quais parcerias são possíveis entre o MIT e o Brasil. É minha primeira viagem como presidente [reitor] ao país. Como qualquer tipo de interação, me interessa saber o que podemos fazer juntos. Descobrir de que questões ou problemas brasileiros o MIT pode ser parte da solução. Até mesmo pensar em uma futura presença do MIT no Brasil.

Já estive três vezes no Brasil. A primeira, não oficial, foi quando minha filha escolheu o Brasil para fazer um estágio. Ela passou um semestre em Salvador. Adoramos, claro.

VENEZUELA

Quando deixei a Venezuela para estudar nos EUA, em 1974, eu saí apenas para fazer o doutorado. Sempre pensei que voltaria, era onde estavam minha família e meus amigos. É um país lindo que eu amo e é muito doloroso para mim ver o que está acontecendo por lá. Mas as oportunidades começaram a surgir nos EUA sem parar e fui ficando.

DIPLOMA ON-LINE

Algumas universidades já estão concedendo créditos e até títulos com cursos on-line. Fazendo cursos com grupos menores e notas.

O MIT desenvolveu parte dessa tecnologia, mas ainda não damos créditos. Temos que achar um jeito confortável de fazer isso. A experiência que você tem no campus ainda não consegue ser substituída on-line, seus trabalhos em equipe.

É difícil imaginar como se pode "embalar" essa experiência no mundo on-line, ainda que certamente seja melhor aprender pela internet do que não ter nada.


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