Folha de S. Paulo


Matrícula de criança com Down divide colégios particulares de SP

"Mãe, seu filho precisa de mais." "A escola está de portas abertas. Mas, mãe, escute um conselho. Procure uma escola onde ele vá crescer."

"Não vou tapar o sol com a peneira. O colégio é muito puxado." "Vou ser muito sincera. Em geral, os pais escolhem escolas menores."

Com respostas como essas, alguns colégios privados da capital paulista negam ou desencorajam a matrícula de crianças com deficiência. Outras escolas, entretanto, incentivam os pais e apresentam equipes bem preparadas e com boa estrutura para receber esses estudantes.

Ao longo das últimas três semanas, a reportagem procurou 18 escolas, às quais se apresentou como se fosse mãe de um menino de seis anos com síndrome de Down.

Foram escolhidas, de uma maneira aleatória, instituições com perfis distintos: localizadas em bairros de classes baixa, média e alta de diferentes bairros da cidade e com mensalidades que variam de R$ 300 a R$ 2.200.

O resultado é quase de empate: entre as escolas que aceitam a matrícula e aquelas que recusam diretamente ou desencorajam os pais.

A Constituição Federal estabelece a educação como um direito de todos, e leis específicas consideram crime passível de multa e reclusão recusar, cancelar ou postergar o ingresso de um estudante em decorrência de sua deficiência, tanto em instituição pública quanto em privada.

O Ministério da Educação veda a criação de "cotas" para alunos com deficiência na educação básica, como alguns dos colégios disseram fazer, bem como a imposição da contratação de um acompanhante pela família.
Em 11 escolas, por exemplo, a matrícula possivelmente não teria sido feita, após variadas justificativas apresentadas antes de a repórter se apresentar como jornalista.

Quatro delas desencorajaram a matrícula sob o argumento de que estavam despreparadas e/ou que não tinham instalações adaptadas para receber a criança.

Uma exigiu que a família contratasse um profissional para acompanhar a criança na escola. Duas afirmaram que as vagas para alunos com deficiência já estavam esgotadas. Outras duas não deixaram claro se haveria a vaga, e mais duas não responderam ao pedido de informações.

Em parte dessas visitas às escolas, a Folha constatou mudança de tratamento assim que informava se tratar de uma criança com síndrome de Down. Palavras compadecidas, sorrisos constrangidos, tapinha nas costas, rostos inclinados e frases como: "Não desanima, mãe".

O Ministério da Educação orienta as famílias que não receberem tratamento adequado a abrirem um "canal de comunicação" na própria instituição.

Se não funcionar, deverão envolver a secretaria de Educação da cidade ou do Estado. Se o problema persistir, a família deverá procurar o Ministério Público ou o conselho de educação.

O médico Zan Mustacchi, especialista em síndrome de Down, diz que pacientes demoram mais para aprender, mas são capazes de conquistar autonomia intelectual e física.

"A diferença é que a gente vai até as oportunidades, e quem tem o comprometimento precisa que as oportunidades sejam levadas até ele", sustenta.

Segundo o médico e a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de São Paulo, uma criança com síndrome de Down deve frequentar o ensino regular e ter acesso a conteúdos simplificados.

No contraturno escolar, é recomendável que frequente instituições especializadas, onde receberá suporte ao aprendizado e ampliará a vida social.


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