Folha de S. Paulo


Minha Dúvida: Especialistas respondem a leitores sobre a escolha da escola

A Folha encaminhou para especialistas de diferentes áreas da educação dúvidas enviadas por leitores por meio do site.

Veja abaixo as perguntas selecionadas e as respostas dos educadores.

Quais as vantagens do ensino bilíngue? Rodrigo Augusto de Oliveira, Brasília (DF)

Sobretudo para os brasileiros, falar com fluência um segundo idioma é uma necessidade. Como nós somos o único país de língua portuguesa na América Latina, eu acredito que o espanhol deveria ser, a princípio, oficial em todas as escolas do país. Nós nascemos com o cérebro preparado para produzir todos os sons encontrados nas línguas do planeta. Afinal, é importante lembrar que um bebê não sabe em que país nasceu e, por isso mesmo, pode falar quantos idiomas forem oferecidos a ele. Para isso, basta que haja uma estimulação oral desde a mais tenra idade. O fato de um indivíduo ser proficiente em mais de um idioma tem a ver com a idade em que começa a conviver com cada um. O bilíngue transita pelas duas línguas sem dificuldades, tudo depende de com quem ele se comunica. E, claro, não há duvidas sobre as vantagens de um ensino bilíngue.

Mas é fundamental que se diferencie dois modos de bilinguismo: o idioma adquirido de maneira natural e o idioma aprendido. Aprender um idioma na escola ocorre de modo dirigido, artificializado por situações simuladas para a prática da estrutura da língua e para a memorização das palavras. Quanto mais jovem, maiores são as condições de uma pessoa adquirir espontaneamente um idioma, mesmo que seja apenas dentro da escola. Nos sete primeiros anos de vida, o ser humano passa por um período critico que é muito favorável para a linguagem, juntando a condição ideal de ser criança a uma didática eficiente. Assim, o objetivo é totalmente atingido.

No entanto, todo o cuidado é pouco com a metodologia pedagógica a ser adotada. A eficácia está exatamente em fazer com que os alunos tenham necessidade imediata de usar, sem restrições, o idioma. Vale lembrar que o aluno será bilíngue. A escola que pretende desenvolver um aluno bilíngue deve manter a comunicação no idioma em construção. Em uma escola inglesa instalada no Brasil, por exemplo, os professores devem falar apenas em inglês com os alunos. Uma escola em outro idioma deve se preocupar com que seus alunos se comuniquem plenamente no idioma proposto e ter a dimensão clara de que os conteúdos também precisam ser abordados apenas no outro idioma. A fluência em inglês, por exemplo, é a prioridade. Afinal, os alunos ficam o restante do tempo imersos no português. Mas, sem dúvida, a língua portuguesa deve ter seu momento de "academização".

Eloísa Lima, mestre em neurolinguística pela UFRJ e diretora psicopedagógica do Dice English Course (RJ).

Meu filho estuda em uma escola bilíngue desde os dois anos. Pretendo mudá-lo de escola no ensino fundamental e avalio instituições que não são bilíngues. A mudança pode ser prejudicial para seu nível de inglês? Juliana, Jundiaí (SP)

Sim, nesse caso há uma perda de fluência considerável. Uma língua é bem falada e bem escrita quanto mais for mantida em uso. O aumento do volume vocabular acontece sob a imersão no idioma. O volume decresce quando se está fora do ambiente do idioma. Portanto, se a família vem investindo na aquisição de um segundo idioma, o que é essencial hoje na educação, aconselho que não despreze o processo de aquisição, sobretudo abaixo dos sete anos de vida. Há bons cursos de idiomas que podem manter a língua em franco desenvolvimento, mas é fundamental que a metodologia seja especializada em crianças.

Eloísa Lima, mestre em neurolinguística pela UFRJ e diretora psicopedagógica do Dice English Course (RJ).

Recentemente, a escola da minha filha assinou um convênio com uma instituição norte-americana para implantação do "high school". Quais são as vantagens do currículo internacional? Marcia, Lorena (SP)

A escola possuir um convênio com uma instituição estrangeira é sempre um diferencial para o aprimoramento da vida acadêmica. Porém, participar de um intercâmbio requer uma maturidade pessoal e acadêmica a ser avaliada pela família antes da adesão. A maturidade do aluno para frequentar essas instituições depende da história de vida do aluno e de sua família, condições emocionais que interferem em sua estadia no exterior.

Neide Noffs, diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP

Existe alguma escola especializada ou com métodos voltados para alunos com altas habilidades/superdotação? Luis Costa, São Paulo (SP)

Existem escolas com essas perspectivas, mas sou crítica a isso, como membro da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional e como psicóloga e professora. Na minha opinião, esse é outro jeito de excluir --tanto as crianças com dificuldades como aquelas selecionadas, que serão ensinadas em outra perspectiva.

Os alunos com altas habilidades, estando em contato com os outros, são o que o psicólogo russo Lev Vigotski (1896-1934) chamou de "pares mais hábeis". Ou seja, as crianças que aprendem com mais rapidez e facilidade têm uma troca saudável quando convivem com as demais. Isso vale também para alunos com dificuldade.

Nessa troca, todas as crianças são estimuladas a aprender mais --e não só os alunos com dificuldades vão querer aprender com os outros, mas esses também vão se sentir úteis ao dividirem os seus saberes.

Roseli Caldas, psicóloga da Abrapee (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional)

Que critérios devo considerar ao escolher uma escola para crianças com TDAH (Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade)? Lilia Gardiano, São Paulo (SP)

Participo de um grupo chamado Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade , que tem várias matérias sobre TDAH e dislexia que fazem uma crítica de como esses transtornos têm se tornado um álibi na maneira como lidamos com as diferenças.

A escola tem que se preparar para as diferenças, para aquele aluno que é calmo e tranquilo e também para aquele que é agitado. Tem de criar possibilidades para atender a todos eles.

Algumas escolas têm uma postura forte com relação a crianças mais agitadas --muitas delas estão sendo encaminhadas para psiquiatras e tratadas com remédios e terapias.

Há uma grande preocupação com uso indiscriminado da ritalina (remédio contra inquietação na vida escolar). Isso porque nem sempre esses alunos possuem o diagnóstico de TDAH e, com o tratamento, acabam sendo desrespeitados em suas características.

O fato é que a criança de hoje não aguenta a escola de 50 anos atrás. Diante disso, dizemos que ela não dá conta, que está doente, que precisa de remédio. Curamos a pessoa em vez de repensar a escola.

Em geral, escolas mais alternativas como, por exemplo, as democráticas, dão uma liberdade maior para crianças e possibilitam que se coloquem mais, que participem mais do seu processo de escolarização. Essas instituições atendem melhor as crianças mais agitadas, não necessariamente com TDAH.

Roseli Caldas, psicóloga da Abrapee (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional)

É prejudicial para a criança estudar em uma escola com alunos de padrão financeiro maior do que o da família? Gisele Gallego, São Paulo (SP)

Não é prejudicial. Na cultura consumista e imediatista em que vivemos a relação da criança com o consumo é complicada, e isso independe de classe social.

O comportamento de uma criança e suas relações afetivas construídas no ambiente escolar também são reflexo do diálogo que se desenvolve em casa. É importante que a família imponha limites aos filhos desde pequeno. Além disso, explicar ao filho sobre as diferenças econômicas entre ele e um dos seus amigos, ou sobre bolsistas das escolas, não é prejudicial. O diálogo construído entre pais e filhos reforça saudavelmente o foco maior da escola: o aprender.

Luana Molina, especialista em Psicologia Aplicada à Educação pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e doutoranda da UFSCar.

Minha filha, de um ano e oito meses, está bem adaptada à creche. Quando devo mudá-la para uma escola maior, onde ela vá estudar para toda a vida? Ronaldo Parreira, São Paulo (SP)

Não existe uma idade certa para a mudança de escola. As crianças pequenas têm que se sentir acolhidas, queridas e devem reconhecer as pessoas e o espaço social do qual participam. Esses princípios garantem uma boa adaptação e frequência à escola e, geralmente, são encontrados nas escolas de menor porte, pois seus ambientes são feitos à medida das crianças, têm como características maior informalidade e relações mais particularizadas. Escolas de maior porte tendem a ter relações mais formalizadas e uma estrutura mais desafiadora para as crianças. Isso, no entanto, não é uma regra.

Diferentes questões e ações propostas pelas crianças levam os pais a saberem quando essa mudança deve ocorrer. Por exemplo, quando a criança exige mais desafios, quando a proposta pedagógica não favorece mais os interesses e valores da família ou quando se percebe que a criança é capaz de lidar com um espaço e grupo mais amplos. A questão é que não existe uma escola perfeita, pois a escola é um espaço social complexo que envolve diferentes indivíduos. Portanto, a decisão dos pais por uma escola para a vida toda não pode ser definitiva e deve ser avaliada a partir da relação com a criança, pois ela é ativa em sua formação.

Lisandra Gomes, pesquisadora do grupo Sociologia da Infância e da Educação Infantil e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo

Meu filho irá para a escola no próximo ano. Minha maior preocupação é a logística, estar próximo a mim ou aos meus pais em caso de emergência. É um bom critério para a escolha? Daniele Aurichio, São Paulo (SP)

Sabemos que o espaço não é neutro no processo de formação do indivíduo, pois com ele interagimos. Dessa forma, morar perto da escola tem pontos positivos, como, por exemplo, praticidade, conforto, conhecimento da comunidade e a possibilidade de maior participação da vida escolar. As horas despendidas no trânsito serão substituídas por momentos a mais de interações informais na escola ou por conversas mais prazerosas com a professora.

Mas essa questão deve estar interligada com os principais critérios na escolha da escola, como considerar a personalidade da criança, os valores da família e, sobretudo, que tipo de pessoa se quer formar para a vida em sociedade. Portanto, antes de matricular a criança na escola, os pais devem conhecer sua linha pedagógica e seus princípios escolares, devem levá-la para visitar a instituição, pois ainda que a escolha não seja feita pela criança, é importante que ela sinta que está participando.

Lisandra Gomes, pesquisadora do grupo Sociologia da Infância e da Educação Infantil e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo

Minha filha estuda em escola pública e vai iniciar o ensino médio em 2014. Devo mantê-la na escola e inscrevê-la em cursos pré-vestibulares ou matriculá-la em um colégio particular? Ana Gonçalves, Curitiba (PR)

Qualquer escola, seja pública ou privada, deve estar comprometida com sua qualidade. É interessante visitar a escola pública e indagar quantos alunos foram, nos últimos três anos, aprovados no vestibular, quantos terminaram o ensino médio com boa nota no Enem ou ingressaram no ensino superior. A partir desse dado, analise se vale a pena colocar sua filha em um curso pré-vestibular ou em um colégio particular. Caso não haja um dado positivo da escola, ao invés de frequentar um curso pré-vestibular, matricule-a em uma escola que ofereça simultaneamente um bom fechamento do ensino médio em relação a área acadêmica e conhecimentos inseridos nos cursos pré-vestibulares.

Neide Noffs, diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP

Há um critério prático para pesquisar e comparar escolas de ensino fundamental, como o Enem para o ensino médio? Marcelo de Lima, Redenção (CE)

O MEC realiza duas provas por meio do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). A Aneb (Avaliação Nacional da Educação Básica) --aplicada a alunos de 5º e 9º ano do ensino fundamental e do 3º do ensino médio, a cada dois anos, das escolas públicas e privadas, e a Prova Brasil, aplicada aos estudantes das escolas públicas do 5º e do 9º ano. Os conhecimentos aferidos nessas provas são português e matemática.

No Estado de São Paulo, a Secretaria de Educação realiza o Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo). As provas são aplicadas aos alunos do 2º, 3º, 5º, 7º e 9º anos do ensino fundamental e 3º do ensino médio.

Os resultados dessas avaliações são transformados em nota para a escola, e podem ser um indicador de qualidade. Porém, é necessário perceber que as provas são uma medida individual de desempenho, não uma medida direta de qualidade. Além disso, estudos e pesquisas mostram que outros fatores interferem nos resultados, como escolaridade dos pais, nível socioeconômico da população atendida pela escola, condições estruturais da escola, entre outros.

Portanto, é importante que os pais busquem outros tipos de informação e que procurem conhecer o projeto pedagógico da escola. Perguntar a alunos que frequentam uma escola pretendida ou aos seus pais também pode ser uma boa referência.

Ângela Soligo, pedagoga da Faculdade de Educação da Unicamp

O que é melhor: sistema apostilado ou tradicional? Simone Estevão, São Paulo (SP)

Quanto ao material utilizado pela escola (apostila ou livro didático), é necessário primeiro saber que o projeto pedagógico é o que vai dizer quais são os objetivos de aprendizagem pretendidos pela escola e, a partir deles, qual o material mais adequado. No entanto, as escolas que adotam material apostilado, em geral, apresentam o conhecimento de modo mais fechado e menos relativizado, dando menos margem a questionamentos, reflexões críticas e à criatividade. O uso de livro didático em geral é mais rico, apresenta os conhecimentos de forma menos pasteurizada e, se vários livros diferentes estão disponíveis para os alunos, maior é a possibilidade de construir pensamento analítico e crítico.

Ângela Soligo, pedagoga da Faculdade de Educação da Unicamp

Minha filha cursa a 7ª série na rede particular, mas acha a escola pequena e diz que "enjoou" dela. As amigas foram para a rede estadual. Devo mudá-la também? Marco Antonio Guimarães, São Paulo (SP)

Mudar um filho de escola exige responsabilidade dos pais quanto ao processo ensino-aprendizagem da criança, levando em conta se suas habilidades e competências estão sendo estimuladas e se ela está segura no ambiente escolar. Se a mudança for bem trabalhada, deixando claros os objetivos e porquês da escolha, ela pode ser positiva. Caso contrário, ela pode afetar o rendimento escolar, criar resistências e trazer angústias.

Luana Molina, especialista em Psicologia Aplicada à Educação pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e doutoranda da UFSCar.


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