Folha de S. Paulo


Parques nacionais brasileiros sofrem com falta de recursos

No início do ano, a fundação que administra o Parque Nacional Serra da Capivara anunciou a demissão de quase todos os seus cem funcionários. Desde então, eles trabalham sob aviso prévio. Se o dinheiro for liberado pelo Estado do Piauí e pelo governo federal, eles terão o emprego garantido. Se não, uma área de 100 mil hectares, maior concentração de sítios pré-históricos das Américas e Patrimônio Cultural da Humanidade, vai ficar sem qualquer proteção.

A situação não é exclusiva da Serra da Capivara -ela se repete em todos os outros 68 parques nacionais brasileiros. Um estudo de 2008, feito pelo Funbio (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade) em parceria com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, mostrou que os parques nacionais precisariam de um investimento de cerca de R$ 189 milhões em infraestrutura.

O estudo também projetou um valor que seria necessário somente para a manutenção anual dos parques: cerca de R$ 49,6 milhões, sem a despesa com funcionários. Segundo Rosa Trakalo, coordenadora de projetos da Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano), que administra a Serra da Capivara, não há verba para o pagamento dos salários e para manter as estruturas funcionando.

Ela explica que o orçamento, em parte público, era completado com patrocínio de empresas privadas e outras instituições. Mas os recursos foram sendo reduzidos, e agora a fundação tenta firmar novas parcerias.

"É difícil conseguir patrocínio de empresas privadas, pois elas alegam que o parque não tem visibilidade", conta Trakalo. De acordo com ela, a visibilidade é medida pelo número de visitantes, mas devido às dificuldades para o acesso ao parque, que fica no interior do Estado do Piauí, as visitas não passam de 20 mil por ano.

Picture-alliance/dpa
Parque do Iguaçu possui infraestrutura para receber turistas
Parque do Iguaçu possui infraestrutura para receber turistas

POTENCIAL BILIONÁRIO

Mas um estudo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) mostrou que os parques nacionais têm potencial para gerar anualmente entre R$ 1,6 e 1,8 bilhão em turismo para as regiões, considerando as estimativas de fluxo de turistas projetadas para o país até 2016.

"Nem todos os parques terão a mesma demanda ou potencial de visitação, dada as condições de acesso e atrativos, mas esse potencial precisa ser identificado e desenvolvido para que essas áreas também cumpram a sua função de possibilitar maior integração entre as pessoas e a natureza", diz a especialista em políticas públicas do WWF-Brasil Mariana Napolitano e Ferreira.

Segundo ela, apenas 26 dos parques brasileiros estão abertos a visitação e somente 18 possuem um infraestrutura satisfatória, com controle de fluxo de visitantes e cobrança de ingressos.

Em parques onde houve investimentos para facilitar as condições de acesso e a região possuiu uma estrutura turística mais consolidada, o número de visitantes é maior. Em 2012, mais de três milhões de visitantes foram registrados somente nos Parques Nacionais da Tijuca, no Rio de Janeiro, e do Iguaçu, no Paraná.

Tanto os estudos do Pnuma e do Funbio como especialistas afirmam que uma parte do valor para a manutenção dos parques poderia vir da receita gerada pela cobrança de ingressos. Mas, para isso, os locais precisam ter uma infraestrutura básica, com centro de visitantes, banheiros, mapas, lanchonetes e trilhas sinalizadas.

"Sabemos que as Unidades de Conservação ainda não recebem recursos suficientes para arcar com todos os custos de manutenção", diz o estudo do Funbio.

CORTES NO ORÇAMENTO

O orçamento do ICMBio sofreu dois cortes em 2013. E ficou em torno de R$ 516 milhões. Do total, mais da metade é destinada para despesas fixas, como folha de pagamento dos servidores. Com o restante, o órgão tem que fazer malabarismo para pagar despesas básicas de todas as unidades de conservação do país, inclusive os parques.

"O Parque Nacional da Serra da Capivara não é exceção, é a regra. Eles estão mal, porque nunca foram prioridade política e a população, em geral, também não sabe bem o que é um parque nacional e seus importantes objetivos, em especial, na proteção da biodiversidade", opina Maria Tereza Jorge Pádua, membro da comissão mundial de Parques Nacionais da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais.

Além da falta de recursos, na maioria dos parques nacionais há um déficit de funcionários. "Existe um funcionário para 150 mil hectares e menos de um dólar por hectare. Parece brincadeira, mas é a situação. O que mais revolta é que o país gasta bilhões em estádios de futebol ou em uma hidrelétrica e não aplica recursos para a implantação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação", afirma Pádua.

Outro problema é a regularização fundiária. Mais da metade dos parques estão em situação irregular. Segundo Ferreira, a criação das unidades de conservação é um fenômeno recente no Brasil, surgida, em grande parte, nos últimos 30 anos.

"A criação destas novas unidades não foi acompanhada pelos investimentos na escala necessária a sua efetiva implantação. Nem mesmo a regularização fundiária, prioridade para implantar uma área, foi realizada em muitas unidades", afirma a especialista do WWF-Brasil.

Mas, apesar dos problemas, especialistas reforçam que a criação dessas áreas são fundamentais para a preservação dessas regiões. "Apesar de todas as dificuldades, uma vez criada essas unidades, oficializadas e reconhecidas, elas já cumprem um papel importantíssimo de frear as intervenções e perturbações no ambiente natural", reforça Luiz Paulo de Souza Pinto, diretor de biomas da ONG Conservação Internacional.

Procurado pela reportagem, o ICMBio não se manifestou até o fechamento da matéria.


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