Folha de S. Paulo


Apesar da revolta, leste da Ucrânia tem pouco em comum com Crimeia

Especialistas europeus veem mais diferenças do que semelhanças entre as duas regiões.

Enquanto península tem população de maioria russa, maior parte dos habitantes do oriente do país tem raízes ucranianas. A situação na Carcóvia e em Donetsk, grandes cidades do leste da Ucrânia, está novamente sob o controle das autoridades do país.

Mas a reivindicação de um referendo sobre a independência da "República Popular de Donetsk", proclamada pelo grupo de separatistas que ocupou o prédio da administração regional, fez muitos observadores se lembrarem dos eventos na Crimeia.

Entretanto, a comparação entre as duas situações não é tão simples. "Vejo mais diferenças do que semelhanças entre a Crimeia e o leste da Ucrânia. A Crimeia é, em muitos aspectos, um caso especial", avalia Susan Stewart, do instituto alemão de relações internacionais SWP, sediado em Berlim.

Ela lembra que as duas populações são diferentes: "Na Crimeia, a maioria da população é composta por russos étnicos e mais de 80% falam russo como a língua nativa", diz a especialista.

De acordo com o censo de 2001, em nenhum outro lugar da Ucrânia os russos constituem a maioria da população. No leste e sul do país também moram principalmente pessoas com raízes ucranianas. Na Carcóvia, 26% se consideram russos, e em Donetsk, 38%.

POUCO SEPARATISMO NO LESTE

A socióloga polonesa Joanna Fomina também vê diferenças significativas entre a Crimeia e o leste da Ucrânia.

"As áreas orientais são muito mais influenciadas pela Ucrânia", ressalta. De acordo com ela, os habitantes de Donetsk e de outras áreas do leste do país são críticos ao que está acontecendo no momento no país. "Mas eles se sentem ucranianos. Esta identificação é bastante forte", sublinha.

Na Crimeia, tal sentimento é muito menos pronunciado. A especialista destaca que a preferência pelo idioma russo nas regiões leste e sul da Ucrânia não deve ser considerada sinônimo de um desejo de união maior com a Rússia.

Um estudo apresentado por Fomina em Berlim, juntamente com a Fundação Bertelsmann, mostrou que a aprovação dos ucranianos a um aprofundamento das relações econômicas com a Rússia não significa um desejo de se separar de um país e se unir ao outro.

Pesquisas não confirmaram em qualquer região ucraniana tendências separatistas significativas. O apoio a uma divisão do país fica apenas entre 11% e 13% no leste e no sul. Susan Stewart também considera improvável que no leste e no sul da Ucrânia muitas pessoas queiram a separação do país.

"Meu palpite é que o movimento é originado principalmente por ativistas da Rússia. Eles incitam as pessoas no leste e no sul que não querem perder as boas relações com a Rússia e que estiveram desapontadas com os eventos da Praça da Independência", avalia a especialista do SWP.

Diferenças econômicas Stewart também aponta que a Crimeia é fundamentalmente diferente sob o ponto de vista econômico da região de Donetsk.

"A Crimeia recebeu fundos de Kiev. Ela era um fardo econômico, embora o turismo e a agricultura sejam em parte desenvolvidos", diz.

Já o leste do país é economicamente mais importante, especialmente a região de Donetsk, que contribui para o orçamento estatal. "No leste está toda a indústria pesada. Ela é importante por um lado, mas, por outro, muitas das empresas não são modernizadas e ainda usam tecnologia soviética", explica Stewart.

Por isso, ela lembra que essa região é de fato mais importante do que a Crimeia, mas que, por causa da estrutura de sua indústria, ela ainda tem alguns problemas.

KREMLIN QUER A DESESTABILIZAÇÃO

A especialista concorda que um ponto que une os incidentes na Crimeia e os das regiões a sudeste da Ucrânia é a chance que eles proporcionam à Rússia para desestabilizar a situação em Kiev.

"Não tenho certeza se o lado russo tem um plano preciso. Eu tenho a impressão de que ele está esperando para ver o que é mais fácil de se fazer", diz Stewart.

Ela ressalta que a anexação da Crimeia foi um passo fácil e que agora Moscou observa para ver se tal cenário também funciona no leste e no sul, ou se é possível conseguir desestabilizar a Ucrânia a favor da Rússia sem serem necessários meios militares.

Stewart avalia que a Rússia quer evitar uma liderança estável em Kiev, que busque uma aproximação da UE e alcance sucessos econômicos com ajuda do Ocidente. A especialista não descarta, justamente por isso, que o Kremlin tente perturbar as eleições presidenciais planejadas para o dia 25 de maio.


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