Folha de S. Paulo


Mostra em Brasília destaca cinema alemão atual

Uma sala multiplex num shopping de Brasília apresentou o que há de melhor entre as produções cinematográficas alemãs da atualidade. A sátira agridoce Finster Mundo e o drama gay Queda livre são alguns dos filmes em cartaz.

A mostra Panorama Alemão já foi apresentada em Salvador e seguirá para Fortaleza e Porto Alegre. Quem a organiza é a agência de promoção e consultoria German Films, uma espécie de missão diplomática do cinema alemão no exterior.

O Brasil, afinal de contas, é um mercado cinematográfico gigantesco e o segundo maior produtor de filmes da América Latina, depois da Argentina. Contudo, geralmente não são os filmes nacionais a dominar as telas do país, e sim os grandes sucessos de bilheteria americanos. Isso é um "monopólio do olhar", na opinião de Cláudio Marques, curador brasileiro do Panorama Alemão. "Com esta série de filmes alemães, queremos mostrar quão diverso o cinema pode ser."

CINEMA DE ARTE NO SHOPPING

Para a mostra foram selecionados principalmente filmes de autor e independentes - num forte contraste com as salas de exibição comerciais, rodeadas por cadeias de fast-food e lojas de moda. No entanto, trata-se de uma escolha de local inteligente. Para muitos brasileiros, cinema significa, acima de tudo, entretenimento, e os aficionados da sétima arte lotam esses gigantes multiplex, principalmente nos fins de semana, munidos de pipoca e coca-cola.

Cinematecas independentes, voltadas para o repertório não comercial, são mais raras no Brasil do que na Alemanha. Há anos a comédia é o gênero de maior sucesso entre os brasileiros. Mas o mercado se abre cada vez mais, acima de tudo na carona do vertiginoso crescimento econômico. O interesse dos brasileiros pelos assuntos internacionais vem aumentando - e justamente aí reside também uma chance para o cinema alemão.

HISTÓRIAS PESSOAIS

"Minha impressão é que a classe média brasileira está desenvolvendo um interesse crescente pelo cinema europeu", diz Mariette Rissenbeek, diretora-gerente da German Films. Chama-lhe a atenção o fato de os filmes em língua estrangeira serem raramente dublados no país. Assim, os cinéfilos brasileiros lidam mais tranquilamente com as legendas do que seus colegas alemães, franceses ou italianos.

Sucesso em Brasília, apesar de legendado, foi, por exemplo, Saída Marrakech, um drama entre pai e filho da vencedora de Oscar Caroline Link. "Achei a abordagem psicológica dos personagens muito emocionante", explica uma espectadora brasileira.

A mostra Panorama Alemão dá, de fato, ênfase aos filmes sobre conflitos interpessoais, com predominância de dramas familiares e sobre pessoas marginalizadas pela sociedade. Roteiros como o de Duas vidas, que aborda explicitamente a história da Alemanha, são exceção.

REALIDADE EM FOCO

Uma característica comum a várias produções selecionadas para a mostra é a perspectiva narrativa realista. Este é o caso de Houston, de Bastian Günther, onde um caçador de talentos empresariais perde gradativamente o controle da própria vida.

Durante os preparativos para o filme, o diretor se encontrou com alguns desses especialistas, também denominados headhunters, que "roubam" altos executivos de empresas concorrentes. Günther até pediu que eles lessem trechos do roteiro do filme.

"Eu queria contar a história da maneira mais realista possível", explica o cineasta de 39 anos. Portanto, para ele era importante desenvolver uma dramaturgia verossímil. Seu filme é uma profunda reflexão sobre os mecanismos de poder num mundo globalizado.

HOLLYWOOD TODA PODEROSA

Para realizar seu longa-metragem, Bastian Günther contou com um patrocínio do governo alemão que lhe permitiu financiar os anos de pesquisa e os custos de produção.

Desde meados dos anos 90, a indústria cinematográfica brasileira também voltou a ser sistematicamente subsidiada pelo Estado. Uma das cineastas beneficiadas é Renata Pinheiro, que depois de dois curtas-metragens premiados internacionalmente, produziu o primeiro longa em sua cidade natal, Recife.

A capital no litoral pernambucano é considerada um celeiro de talentos para a indústria cinematográfica brasileira. "Existe um fundo anual, que apoia novos diretores na realização de seus primeiros projetos", conta a diretora. Tais ajudas financeiras para a produção visam abrir caminho para uma maior diversidade cinematográfica, contrapondo uma linguagem artística própria à fábrica de sonhos Hollywood.

O grande desafio é exatamente esse, explica o diretor brasileiro Andrucha Waddington, que produz tanto ambiciosos filmes de autor, como bem sucedidas comédias comercias. O cineasta de 43 anos diz apreciar muito o cinema da Alemanha: "Eu amo Werner Herzog. Para mim, ele é um grande diretor", elogia.

No entanto, ele não conhece praticamente nada da atual produção do país. O que não é de admirar, já que são raros os filmes alemães a chegar até as telas brasileiras, e os meios de comunicação quase nunca falam sobre o assunto.

"As produções cinematográficas alemãs têm que superar um grande obstáculo aqui", constata Waddington. E é exatamente isso o que pretende a German Films, com sua ambiciosa turnê pelo Brasil.


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