Folha de S. Paulo


Conheça o jogo de cartas alemão skat, que completa 200 anos

De repente, o silêncio substitui as várias conversas que se desenrolavam. Às 19 horas em ponto de uma quarta-feira começa, a noite de skat dos "Jogadores de Wandsbek", em Hamburgo. Na qualidade de presidente do clube, Bernd Szymczack dá início ao evento e designa os jogadores a suas respectivas mesas. Apesar de se tratar apenas de um jogo de cartas, a expressão estampada no rosto dos presentes deixa claro que agora a coisa é séria.

Em breve começa o chamado reizen, uma espécie de leilão de valores. "Dezoito! Vinte! Dois!", anunciam os jogadores, e logo esquecem o ambiente ao redor. Os olhares estão concentrados nas cartas: o skat não é apenas um jogo de azar, ele também exige tática e ponderação.

"O skat não se aprende, é um talento natural", afirma um jogador um tanto exaltado. De fato, o jogo tem uma linguagem própria - mas que é possível aprender. Uma oma (vovó) é uma mão excelente, uma flöte (flauta) é composta por pelo menos quatro cartas da mesma cor. E - mais vulgar - um ganzer arsch (bunda completa) é quando se tem muitas cartas boas.

A jogadora Gudrun Schumacher está com uma boa mão, mas isso pode mudar rapidamente. "Cada jogo é diferente", explica entusiasmada, "sou fascinada pelo skat". Sua admiração pelo jogo vem de longa data: com 83 anos, ela é a jogadora mais idosa na roda. No entanto, nesta sala de jogos, quase todos os jogadores têm mesmo cabelos grisalhos.

Gudrun se lembra de outras épocas, em que o skat era um jogo de massa, para todas as idades. "Na casa dos meus pais já se jogava skat." Se de início ela apenas observava, compensou mais tarde, tornando-se jogadora assídua, "num grupo, com outros casais". O círculo se dissolveu, "devido à idade", porém dez anos atrás ela entrou para o clube do bairro hamburguês de Wandsbek, e pôde finalmente voltar a jogar.

No entanto, o grupo tem dificuldades em encontrar novos adeptos. "Atualmente, temos 26 membros", explica o presidente Bernd Szymczack. Ao ser questionado sobre a grande porcentagem de cabeças grisalhas, ele lamenta: "Este é o nosso maior problema. Para onde o senhor olhar, são muito poucos jogadores jovens, quase nenhum colegial."

Um dos mais novos é o entusiástico Volker Graubaum, de 35 anos. Ele gosta tanto do skat porque "aqui dependem muito do que você tem na mão", ao contrário de outras formas de carteado.

Em 2013, o skat comemora 200 anos de existência. Ninguém sabe exatamente quando ele foi inventado, mas se especula que tenha sido entre 1810 e 1817 na cidade de Altenburg, no estado da Turíngia.

O que se sabe ao certo é que no dia 4 de setembro de 1813 o jogador Hans Carl Leopold von der Gabelentz anotou a palavra "scat" no bloco em que registrava cuidadosamente suas vitórias e derrotas no jogo de cartas. Nessa época, Gabelentz e seus companheiros de mesa desenvolveram o skat aos poucos, a partir de outros jogos mais antigos.

Desde então, o jogo passou a fazer parte da vida dos alemães. Os soldados que lutavam contra e a favor de Napoleão Bonaparte o espalharam pelo país.

A paixão dos alemães pelo skat é grande. Tanto que o autor Kurt Tucholsky chegou a escrever, no início do século 20: "Quando o alemão está contente mesmo com a vida, ele não conta. Ele joga skat." O compositor Richard Strauss chegou a incluir uma cena de skat em sua ópera Intermezzo, em 1924.

Até mesmo o imperador Guilherme 2º passava o tempo com esse jogo, da mesma forma que seus soldados na Primeira Guerra Mundial - só que estes, nas trincheiras. E as gerações seguintes também aderiram ao passatempo. Entre os adeptos estão o Prêmio Nobel da Literatura Günter Grass e o ex-chanceler federal da Alemanha, Gerhard Schröder.

Rumo à aposentadoria

Nos dias de hoje, o skat é ainda bastante difundido na Alemanha, onde consta que 20 milhões de pessoas sabem jogá-lo. Mas mesmo assim, a Associação Alemã de Skat sentiu a perda da popularidade. "Em 1990 tínhamos 35 mil membros" explica Ute Modrow. Hoje eles são em torno de 26 mil, muitos dos quais com mais de 60 anos.

Os adeptos entre os jovens são poucos. Alguns põem a culpa nos smartphones e tablets portáteis. Nos intervalos das aulas, os estudantes ficam na internet ao invés de aderir ao carteado, ainda que existam websites onde se pode jogar skat.

Alguns veem, mesmo assim, esperanças de sobrevivência. Ute Modrow expressa otimismo cauteloso: "Existem muitos clubes de skat onde a média de idade é abaixo de 50 anos." Porém, somando tudo, a impressão é mesmo que na Alemanha o skat vai caminhando para a aposentadoria.


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