Folha de S. Paulo


Sem o Jabuti, estaria na plateia, diz Menalton Braff em palestra

"'Menalton o quê?' era o título de uma matéria que publicaram sobre o Jabuti que ganhei", relembra, dando risadas, Menalton Braff. "Não escrevo para ser premiado, mas sem ele não estaria aqui. Estaria na plateia."

Assim, o escritor resume um pouco a importância do prêmio em palestra que ele deu nesta terça-feira (11) durante a Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto (313 km de SP).

Braff ganhou o Jabuti como livro do ano de 2000 com "À Sombra do Cipreste", publicado um ano antes por um editora de Ribeirão -- o escritor mora na vizinha Serrana.

Ele reconhece a importância dos prêmios em relação à cobertura da imprensa. "Existe uma barreira de silêncio para os autores que não recebem atenção da mídia."

Para o escritor, a dificuldade em se publicar um livro no país é simples. "Livro encalhado é livro sem mídia. O Brasil não tem leitores e as editoras não querem falir." Segundo ele, mesmo com um Jabuti, ainda não é totalmente fácil publicar.

Edson Silva/Folhapress
O escritor Menalton Braff participa da Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, no auditório Meira Júnior, do Theatro Pedro 2º
O escritor Menalton Braff participa da Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, no auditório Meira Júnior, do Theatro Pedro 2º

Menalton tem 19 livros publicados, entre contos e romances. Nas suas duas primeiras obras, "Janela Aberta" (romance) e "Na Força de Mulher" (contos), publicados na década de 1980, escreveu com o pseudônimo de Salvador dos Passos. Nas seguintes, publicou com o próprio nome, começando com "À Sombra do Cipreste".

Depois, foi finalista de vários prêmios, como o São Paulo de Literatura, por "A Muralha de Adriano", obra de 2008 que também recebeu menção honrosa do Casa de las Américas.

Nascido em Taquara (RS), cursava economia na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), quando aconteceu o golpe de 1964. Mudou-se para São Paulo na década de 1970 para fugir da ditadura.

Seu último livro, "O Casarão da Rua do Rosário", retrata 40 anos de vida de uma família que passa por episódios do século passado, como o regime militar e a virada dos anos 2000.

ANOS DE CHUMBO

Um homem da plateia, levanta a mão e pede para o escritor contar os oito anos que passou recluso após o golpe. Meio sem jeito com a lembrança ressuscitada pelo espectador, Menalton apresenta o amigo.

"Para quem não conhece, esse homem é o Nando, escritor, ex-futebolista e irmão do Zico. Meu amigo", revela, quebrando o gelo. Fernando Antunes Coimbra, o ex-jogador foi perseguido durante o regime militar (1964-85), história retratada no livro "Futebol e Ditadura - o primeiro jogador anistiado do Brasil".

Feita a apresentação, Menalton, como bom contista que é, atendeu o pedido do amigo. "No golpe de 64, estava na universidade, em Porto Alegre. Nós, estudantes, nos organizamos para combater a ditadura", relembra.

"Fui condenado à revelia porque eu consegui fugir [do cenário da universidade]". Depois de ser alertado por amigos que estava sendo perseguido pelo regime, o escritor resolveu se mudar do Rio Grande do Sul para São Paulo. "Nesse mar, eles [militares] não vão me encontrar, pensei."

Para não ser encontrado por "eles", Menalton conta que passou oito anos escondido, sem usar o nome em lugares públicos e mudando de endereço. "Foram anos de muito sofrimento, medo e sustos". "Morei até em barraco, no frio, no meio do nada, tendo que acender fogueira do lado da cama para conseguir dormir", lembra.

Nando levanta a mão mais uma vez e pergunta se a ditadura interferiu na carreira do escritor. "Retardou o meu processo, pois tive que me apagar como pessoa por oito anos".

Durante esse período, concluiu os estudos e, como escritor, só estreou com publicação de livros na década de 80.

"Mas li muito, já que não podia fazer nada. Li 30 e tantos volumes do "A Comédia Humana", de Balzac", brinca. Completa afirmando que sua cultura literária veio desse período de reclusão.

Sobre "O Casarão da Rua do Rosário", ele relata: "Tem um trecho em que a polícia invade uma casa e prende os pais na frente dos três filhos. O pai pede para os filhos não chorarem, que ele voltará, mas ele nunca mais volta, some".

Esse episódio, segundo o escritor, rendeu críticas negativas ao livro. "Alguém vai negar que isso já aconteceu no Brasil? E teve crítico que me chamou de maniqueísta", declara.

Para Menalton, a crítica literária nacional não vai bem. "O último crítico nesse país morreu em Curitiba. Era Wilson Martins [1921-2010]", afirmou, referindo-se ao colunista de jornais como "O Globo" e "O Estado de S. Paulo".

INFLUÊNCIAS

"Fui quase que a vida todo sartriano. Acho que Jean-Paul Sartre [1905-1980] foi o poeta da minha geração", conta. De uns tempos para cá, o autor diz estar mais niilista. "Estou aprendendo com as leituras de [Friedrich] Nietzsche [1844-1900] que sofrimento e prazer não andam separados. Que escrever é prazer e sofrimento ao mesmo tempo."

Filósofos à parte, Menalton não esconde que a sua paixão literária é Machado de Assis (1939-1908). "Existem autores que leio e penso que eu queria ter escrito aquele livro! Eu odeio Machado de Assis porque sinto isso com todos os livros dele", diz.

O escritor ressalta que a genialidade de Machado está na linguagem viva da sua obra. "Tem um autor que diz que cada geração adorou Machado por razões diferentes. Isso é ser um clássico", afirma.

Clarice Lispector (1920-1977) é outras de suas paixões. "Gosto dela pelo estranhamento que ela cria em você. Ela é um canhão: te atinge a cabeça toda hora."

PESO DO JABUTI

"Não escrevo para ganhar prêmios. A maioria dos que eu concorro, perco", responde Menalton quando perguntado se um Jabuti interferiu na sua produção nos anos que se seguiram. "Um Jabuti não alterou em nada aquilo que me proponho a fazer como arte."

E o que é a arte literatura? "É a desautomatização da humanidade. Não é caminhar, é dançar."


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