Folha de S. Paulo


Após descoberta de ossada, Ilhabela cria rota com surpresa e curiosidades

Do outro lado do mundo, o cristianismo começava a ganhar adeptos, o Império Romano estendia seus domínios, e a existência da América ainda estava longe de ser conhecida pelos europeus.

Enquanto isso, no que hoje se conhece como Brasil, um homem adulto era enterrado em posição fetal dentro de um abrigo rochoso, numa praia daquele arquipélago no litoral paulista que viria a se chamar, tempos depois, Ilhabela.

Passados 2.000 anos, a descoberta do esqueleto pela arqueóloga Cíntia Bendazzoli, em 2007, marcou o início de diversas pesquisas que mudaram o que se sabe sobre a ilha. É parte dessa história que, agora, Ilhabela quer mostrar.

A cidade acaba de elaborar um roteiro para o turista conhecer diversas áreas de importância histórica, incluindo o antigo mercado de escravos, "escondido" dentro de uma imobiliária e outros estabelecimentos comerciais.

Guias foram capacitados, mas dá para percorrer os locais sem ajuda. Para isso, foram instaladas placas informativas, e há folhetos em centros de informação turística.

A responsável pelo projeto é a mesma arqueóloga que encontrou a ossada. Atualmente diretora de patrimônio histórico, ela já fez diversas descobertas desde então, tanto em locais de difícil acesso como em regiões da ilha facilmente visitáveis.

"Ilhabela sempre foi muito procurada por sua beleza natural. Agora, queremos que o mesmo aconteça por sua riqueza histórica", diz. Segundo o prefeito Márcio Tenório, há estudos para ampliar o roteiro. Alfabetizado aos 15 anos, ele afirma que as descobertas sobre a ilha devem ser incluídas no currículo escolar.

Conheça, a seguir, curiosidades e surpresas do roteiro histórico de Ilhabela.

1. IGREJA MATRIZ

Em um ponto alto em frente ao canal de São Sebastião, o templo evidenciava o poder da Igreja Católica por ali. Suas paredes foram erguidas por escravos, e as telhas, feitas por indígenas. Os blocos que formam suas paredes são constituídos de areia e outros materiais, ligados por óleo de baleia no lugar de cimento.

Na superfície deles, é possível ver conchas retiradas de sambaquis –grandes depósitos de cascas e outros artefatos, usados por povos indígenas para sepultamento. Também a área da igreja já serviu a essa finalidade. Não à toa, na segunda metade do século 20, diversos corpos foram encontrados quando as vias de acesso próximas foram abertas. As ossadas achadas foram guardadas no templo.

A igreja guarda ainda outra relíquia histórica: uma "santa do pau oco", comum em Minas. Trata-se de estátua de Santa Bárbara com uma abertura por trás, na barra de sua saia, onde podiam ser escondidos, por exemplo, ouro e outras riquezas.

Eduardo Anizelli/Folhapress

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2. ANTIGA CASA DE CÂMARA E CADEIA

No início do século 19, para ficar independente de São Sebastião, Ilhabela teve que construir um pelourinho e uma Casa de Câmara e Cadeia. No início do século 20, o imóvel foi totalmente reformulado. Hoje, é sede da administração do Parque Estadual de Ilhabela. Em seu térreo, as antigas celas hoje abrigam uma exposição sobre meio ambiente, mas mantêm as antigas grades. As paredes foram pintadas. Em algumas delas (em especial a vermelha), o observador muito atento pode ver sob a tinta resquícios de rabiscos feitos pelos presos.

Eduardo Anizelli/Folhapress

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3. MARCO ZERO

Além da construção da cadeia, outra exigência para a independência de Ilhabela foi a instalação de um pelourinho para castigar os escravos. Após a Lei Áurea, ele foi substituído por uma fonte, que virou o marco zero da cidade. Hoje, fica na praça em frente à igreja. A partir da análise de uma pintura de Jean Baptiste Debret, porém, Bendazzoli descobriu que, originalmente, o marco ficava mais adiante, em frente ao mar. Foi removido provavelmente para alargar a via da beira-mar.

Eduardo Anizelli/Folhapress

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4. ANTIGO MERCADO DE ESCRAVOS

Descoberto pela arqueóloga, o antigo mercado de escravos se estendia pela área hoje ocupada por quatro estabelecimentos na esquina da praça principal de Ilhabela. Um deles é a imobiliária Sérgio Hette, cujas paredes internas foram preservadas como eram naquele tempo. Segundo Bendazzoli, o mercado ia do imóvel onde hoje está a lanchonete Borrachudo, que ainda tem pedras da parede original, até o espaço de brincadeiras infantis Playhouse. O formato de suas portas foi preservado. O segundo andar é posterior.

Eduardo Anizelli/Folhapress

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5. CANHÕES

Instalado em frente à principal via de chegada a Ilhabela até hoje –a região do píer–, o conjunto de cinco canhões foi importante arma contra o ataque de corsários que atuavam no litoral.Centro Cultural da VilaEstá ali parte do que se encontrou nos sítios arqueológicos descobertos nos últimos anos em Ilhabela. São materiais recolhidos de sambaquis, ossadas, adornos e artefatos utilizados pelos primeiros ocupantes da ilha, além de objetos do período colonial. É ali também que está contada a história da ossada de cerca de 2.000 anos.

Eduardo Anizelli/Folhapress

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6. CENTRO CULTURAL DA VILA

Está ali parte do que se encontrou nos sítios arqueológicos descobertos nos últimos anos em Ilhabela. São materiais recolhidos de sambaquis, ossadas, adornos e artefatos utilizados pelos primeiros ocupantes da ilha, além de objetos do período colonial. É ali também que está contada a história da ossada de cerca de 2.000 anos.

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7. FAZENDA ENGENHO D'ÁGUA

Em frente à praia de mesmo nome, trata-se de uma fazenda colonial que, até ser comprada pela prefeitura recentemente, era usada como casa de veraneio pelo então proprietário. Na área, que será incorporada em uma segunda etapa ao roteiro, havia um engenho produtor de cachaça. Estão preservados uma roda d'água usada para moer cana e um aqueduto (na foto abaixo, a saída de água).

Eduardo Anizelli/Folhapress

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8. PRAIA DE GARAPOCAIA (PEDRA DO SINO)

"Garçom, traz um martelo?" É comum ouvir a pergunta no restaurante que fica do lado direito da praia de Garapocaia, também conhecida como Pedra do Sino.

A atração não integra oficialmente o roteiro histórico, mas pode ser visitada por quem quiser terminar a rota com um banho de mar. Ninguém sabe exatamente o porquê, mas algumas das pedras ao redor da praia emitem um som parecido com o de um sino.

Para ouvi-lo, é preciso bater nas rochas ou com outra pedra ou com o martelo fornecido pelo restaurante. Desde o período colonial há relatos de que os indígenas faziam uso dos sons.

Eduardo Anizelli/Folhapress

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