Folha de S. Paulo


Médicos criticam condição da saúde no CE com paródia da Globo; veja vídeo

Assista ao vídeo

A melodia é a mesma da canção que há anos embala a programação de final de ano da TV Globo, mas em vez da exaltação a um novo tempo a estrofe retrata um cenário de calamidade dos hospitais cearenses.

"Hoje é mais um dia / perdendo tempo / constrangedor / falta anestesia / pra cirurgia / e medicamento / pra receber / e os pacientes estão largados / em uma maca no corredor", canta o coro de médicos vestidos de jaleco branco.

O vídeo de 4 minutos foi produzido pelo Sindicato dos Médicos do Ceará e batizado com o nome "Novo tempo, velhos problemas". Ele circula desde o dia 22 de dezembro e se espalhou pelas redes sociais. Em menos de uma semana, já foi visto mais de 630 mil vezes no Youtube e atingiu cerca de 720 mil pessoas pelo Facebook, segundo as contas do sindicato.

O refrão diz que "o horror continua / pode ser na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] / Hospital da Mulher / posto [de saúde] ou HGF [Hospital Geral de Fortaleza] / o horror continua / pode ser na UPA / ou no [Hospital] São José" / ou no IJF [Instituto José Frota]", enumerando os centros de saúde em pior estado. Cenas de pessoas em macas no corredor ilustram a produção.

Nos segundos finais, há um depoimento do médico José Otho Leal Nogueira, de 77 anos. "Amanhã, 16 de dezembro, vou fazer 54 anos de médico. Esse ano eu fiz 50 anos de [Hospital Geral] Cesar Cals e os problemas sempre existiram, mas agora chegou a um ponto de intolerabilidade. É cruel você morrer porque é pobre. Isso é intolerável", diz o médico para um grupo de médicos.

"E eu vejo isso todo dia. Eu vejo isso nos hospitais que eu trabalho. Eu trabalho em três hospitais públicos. Nós não temos a mínima condição de não protestar e não fazer um movimento forte. Nós não podemos ficar de braços cruzados. "

Essa não é a primeira campanha do Sindicato dos Médicos do Ceará que se espalha pelas redes sociais. Em 2015, a entidade criou o Corredômetro, que é um levantamento feito com base em depoimentos sigilosos de profissionais de saúde que contabiliza o número pacientes acomodados em leitos no corredor de cinco dos principais hospitais cearenses. O recenseamento é feito todo final de mês. Em novembro havia 327 pessoas nesta condição. O sindicato também fez campanhas contra investimento público em festas como o réveillon.

A presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, Mayra Pinheiro, disse que o vídeo é uma tentativa de alertar para a situação de calamidade nos hospitais cearenses. "Nós já pedimos ajuda para prefeitos, governador, Ministério Público e não houve retorno", diz.

"Aqui no Ceará há falta de insumos básicos, pacientes morrem por falta de medicamentos pós-operatórios. Há cirurgias sendo canceladas por falta de fios de sutura. Órgãos prontos para transplante foram jogados no lixo porque não tínhamos como suturar o peito dos pacientes operados."

O Estado tem a segunda maior incidência de dengue no país, segundo o Ministério da Saúde, com 457,7 casos a cada 100 mil habitantes –atrás apenas de Goiás, com 906,3 casos. A média no Brasil em 2017 foi de 116 casos por 100 mil habitantes.

Segundo dados do Datasus, o Ceará ficou ainda em sexto lugar entre os Estados (proporcionalmente à sua população) em relação às mortes por doenças infecciosas e parasitárias, com 32.552 casos, taxa de 360,9 a cada 100 mil habitantes –os dados vão de janeiro a outubro.

OUTRO LADO

A Secretaria da Saúde do Ceará disse, em nota, que "de janeiro a novembro de 2017, os hospitais da rede do Governo do Ceará realizaram 59.910 cirurgias e 81.868 internações, o que já representa volume superior ao registrado ao longo dos 12 meses de 2016. A projeção é que até o fim deste ano esses índices cresçam, respectivamente, 10% (cirurgias) e 12% (internações). Além disso, a mortalidade hospitalar na rede estadual de saúde caiu 12% em 2017".

"Para atender ao aumento da demanda, já foram destinados, até o mês de novembro deste ano, R$ 148 milhões a mais para o orçamento da Saúde no Ceará, devendo este valor chegar a cerca de R$ 200 milhões."

A nota continua apontando outras medidas tomadas para ampliar o atendimento. "O governador Camilo Santana encaminhou projeto de lei, que foi aprovado pela Assembleia Legislativa no último dia 14 de dezembro, com o objetivo de reduzir as filas de cirurgias no Ceará. Serão priorizadas as especialidades em que há mais pacientes aguardando, cuja inserção nas filas de espera é feita por cada município, os quais têm gestão plena da saúde. Neste ano, foi centralizada nas especialidades de ortopedia de alta complexidade, urologia e otorrinolaringologia. Em todo o Estado, havia 16.423 pacientes em fila de cirurgia no Sistema Unisus Web no Estado, até 11 de novembro."

Em relação à falta de insumos médico-hospitalares, a secretaria diz que "a descontinuidade pontual deve-se a fatores que envolvem o fornecimento, como realinhamentos de preços, atrasos de entrega, requerimentos de troca de marca por parte dos ganhadores das licitações, além de trâmites burocráticos necessários para dar mais segurança ao processo de aquisição". A nota diz que "todas as unidades são reabastecidas à medida que insumos e medicamentos são entregues pelos fornecedores".

No final do comunicado, a Secretaria da Saúde "reafirma o compromisso com a saúde pública para garantir o atendimento e a assistência de qualidade à população cearense e ressalta que tem destinado recursos técnicos e materiais para sanar qualquer descontinuidade nos hospitais".

Reprodução
Médicos fazem paródia de música da Globo para denunciar más condições da saúde no CE
Médicos fazem paródia de música da Globo para denunciar más condições da saúde no Ceará

Endereço da página:

Links no texto: