Folha de S. Paulo


Aprovação de 13º para vereadores de SP teve gozações e aliança PT e PSDB

André Bueno/CMSP
São Paulo, SP,Brasil 18.12.2017 sessão do Orçamento. Foto: André Bueno/CMSP DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
Vereadores durante a última sessão de 2017 da Câmara Municipal de São Paulo, nesta segunda (18)

Um "detalhe" quase passou despercebido no último dia de sessões neste ano na Câmara Municipal de São Paulo: em uma manobra perto da meia-noite, nesta segunda-feira (18), os vereadores aprovaram uma emenda à Lei Orgânica do Município que autoriza o pagamento do 13º salário para eles próprios.

Era um dia de pauta carregadíssima no plenário, em uma jornada com mais de nove horas seguidas de debates, discussões, reuniões e votações sobre numerosos temas espinhosos, como o Orçamento da cidade para 2018.

Mas a emenda do 13º entrou de repente em votação, foi aprovada em poucos minutos, quase sem discussão.

No placar final, entre os 48 vereadores presentes, apenas quatro parlamentares foram contrários: Sâmia Bomfim (PSOL), Janaína Lima (Novo), Toninho Vespoli (PSOL) e Fernando Holiday (DEM).

PT e PSDB, em uma afinidade rara ao longo do ano, estiveram na mesma trincheira e votaram pela aprovação.

Os vereadores agiram com base em decisão de fevereiro do Supremo Tribunal Federal segundo a qual é constitucional o pagamento do 13º salário para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores –em São Paulo, a legislação já prevê que as duas primeiras categorias recebam o valor.

Na votação do fim de noite desta segunda, os parlamentares decidiram que isso passaria a valer para São Paulo.

"O STF disse que os vereadores podem receber os valores, e não que são obrigados a isso. O Brasil vive momento difícil, com trabalhadores perdendo direitos e os governantes cortando recursos de saúde e educação. Acho que a Câmara não está dialogando com a sociedade", afirma Vespoli, que também critica o modo que o presidente da Câmara, Milton Leite (DEM), escolheu para encaminhar a votação.

"É um obscurantismo dos processos, afastando ainda mais a Casa do povo."

Assim como Vespoli, diferentes vereadores foram pegos de surpresa com o aparecimento da emenda na pauta. Após a votação, assessores de imprensa e funcionários da Câmara começaram a perguntar entre si sobre o conteúdo da decisão que havia sido tomada.

PROVOCAÇÕES

Na segunda-feira (18), dezenas de projetos de vereadores foram lidos e votados na Câmara. Além deles, também foram votados projetos de lei importantes para a gestão João Doria (PSDB), como o Orçamento de 2018, a concessão do mercado de Santo Amaro e o programa de parcelamento de multas. Às 23h20, a emenda apareceu ensanduichada entre diferentes projetos e logo saiu de cena.

Enquanto os quatro parlamentares se posicionavam contrariamente, outros faziam provocações jocosas. Holiday foi alvo do colega de partido Dalton Silvano (DEM), que brincava: "Então me dá seu 13º, vereador". A reportagem não localizou Silvano, e Holiday não retornou os contatos feitos pela Folha.

SILÊNCIO

Nesta terça, as principais figuras da Câmara não quiseram se alongar sobre o tema.

O presidente, Milton Leite, e a vereadora Adriana Ramalho, líder do PSDB, não quiseram se manifestar. A assessoria de imprensa da presidência da Câmara informou que o órgão seguiu o determinado pelo STF.

Líder do governo, Aurélio Nomura (PSDB) disse que tiveram "como base a decisão do STF". "Estamos dentro da legalidade e seguindo o princípio da isonomia."

O gabinete de Antonio Donato, líder do PT, afirmou que "quem deve falar sobre o tema é a Mesa Diretora, que cumpriu decisão judicial".

Os vereadores recebem salário de R$ 18,9 mil. Em 2018, ano em que entrará em vigor a emenda, a Câmara gastará R$ 1 milhão a mais com a parcela extra. Por se tratar de uma emenda à Lei Orgânica, Doria não poderá vetar nem precisará sancionar para que entre em vigor.

Além disso, a decisão do STF também resultou na cassação de liminar no Tribunal de Justiça que barrava o pagamento do 13º salário aos parlamentares da última legislatura. Isso significa que aqueles que exerceram mandato de 2013 a 2016 receberão valores retroativos que custarão cerca de R$ 3,3 milhões à Câmara de SP.

"É uma sinalização muito ruim os vereadores aprovarem no apagar das luzes algo em benefício próprio", disse a vereadora Sâmia Bomfim.

Em novembro, o TJ liberou aumento salarial de 26% para os vereadores, o que estava travado desde janeiro devido a ação proposta pela OAB. Com isso, a remuneração dos vereadores passou de R$ 15 mil para R$ 18,9 mil.

Além do salário, a média mensal de verba destinada aos gabinetes dos vereadores é de R$ 23,5 mil –destinada ao pagamento de serviços como correios, transporte e impressão de documentos. Os custos com 18 servidores aos quais os vereadores têm direito são de R$ 164,4 mil.
autonomia do poder

Para Mário Schapiro, professor de direito da FGV, a decisão de receber o 13º e a votação de última hora e sem debate são sintomáticas de um novo momento político.

"Em todas as esferas, o desgaste com a opinião pública não é mais um fator de dissuasão para que os políticos deixem de tomar medidas pouco recomendáveis. É um processo de autonomização da política", diz.

Schapiro ressalta, porém, que a emenda não é ilegal.


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