Folha de S. Paulo


Conjunto popular engatinha há quase 10 anos na zona sul de São Paulo

Quase no cruzamento das avenidas Roberto Marinho e Washington Luís, no Campo Belo (zona sul de São Paulo), encontra-se um resumo suprapartidário da desaceleração de obras públicas nos últimos cinco anos.

Ali fica o monotrilho da Copa, concebido na gestão José Serra (PSDB) em 2009 para ligar o Morumbi a Congonhas, mas que só deve ficar pronto em 2019. Diante dele, também inacabado, um conjunto habitacional de 300 apartamentos, concebido em 2008, quando o terreno de 8,3 mil m² foi desapropriado por quase R$ 6 milhões.

O conjunto Estevão Baião deveria abrigar famílias de favelas ao longo do córrego Águas Espraiadas e que foram despejadas pelas obras no novo corredor. O arquiteto Marcelo Suzuki fez o projeto para a prefeitura, que começou as obras em 2010, ainda na gestão de Gilberto Kassab (PSD).

Os três blocos de 14 andares sofreram diversas paralisações na gestão Fernando Haddad (PT). As obras foram retomadas na gestão João Doria (PSDB), mas em ritmo nada acelerado. A previsão de entrega é 2019, 11 anos depois da decisão de construí-lo.

A Operação Urbana Águas Espraiadas, iniciada em 2001, fez diversos leilões para vender a incorporadores o direito de se construir mais metros quadrados na região. Quem compra, ganha um potencial adicional construtivo em seus terrenos. A prefeitura arrecadou, desde então, R$ 3,89 bilhões com essas vendas.

Dos R$ 3,5 bilhões já gastos desse total, menos de um quarto foi destinado para a habitação social (obras viárias ficaram com a maior parcela).

"No início do ano, tivemos que brigar com outras secretarias para receber mais recursos", alega o secretário de Habitação, Fernando Chucre. "O Conselho Gestor decide. Houve recursos para túnel, ponte, viaduto, então tivemos que pedir mais verbas."

Mesmo com dinheiro recém-adquirido, há uma pendenga entre a prefeitura e a construtora responsável pelo ritmo das obras. No dia que a Folha visitou o conjunto, viu apenas dois pedreiros trabalhando e um vigia em horário útil. O secretário diz que vai romper o contrato e chamar a segunda colocada na licitação feita há quase dez anos. Se for resolvido assim, as obras devem ganhar outro ritmo apenas no primeiro trimestre do ano que vem.

Em 2008, quando o Estevão Baião foi projetado, 44 lotes ao longo desse corredor viário foram destinados a conjuntos habitacionais, com a seleção de escritórios de arquitetura responsáveis. Apenas alguns poucos tiveram as obras iniciadas.

Coab

"Fizemos workshops e conversas com as comunidades, estudos técnicos por dois anos, mas tudo foi parado em 2013", diz o arquiteto Juan Pablo Rosenberg, do escritório AR, que projetou um conjunto de 159 apartamentos no Jabaquara, também na zona sul.

Muitos dos moradores que aguardam há quase uma década seus apartamentos prometidos recebem auxílio-aluguel da prefeitura, que gasta, por ano, cerca de R$ 130 milhões com 27 mil famílias que foram despejadas.

No governo Haddad, quando a pasta da Habitação ficou com o PP malufista, boa parte desses projetos foram paralisados. A prioridade era para investimentos no sistema do Minha Casa Minha Vida petista, que prescindia de projetos arquitetônicos e urbanistas. Nem assim, os recursos chegaram.

A decisão foi polêmica. À Folha, o ex-secretário de Habitação de Haddad, João Sette Whitaker, que ficou pouco mais de um ano no cargo, disse que esses conjuntos da gestão Kassab "eram vistosos, feitos por bons arquitetos, mas que custavam o dobro das unidades do Minha Casa".

Urbanistas criticavam o programa federal petista por repetir erros do BNH militar, como a predileção por grandes conjuntos habitacionais em série, em áreas muito distantes, onde o metro quadrado era mais barato, sem infraestrutura.

Vinicius Andrade, arquiteto do escritório Andrade Morettin (autor do projeto da sede do Instituto Moreira Salles, na avenida Paulista), é um dos arquitetos que vê sua obra se arrastar. Ele projetou um conjunto na zona norte para a prefeitura.

"A obra não para, mas rasteja, um tijolo por período". O Conjunto Lidiane tem 221 apartamentos, nenhum entregue. Em 2004, ele já havia entregue à prefeitura um projeto de habitação social na gestão Marta Suplicy (PT), que foi descontinuado pela gestão Serra-Kassab.

Não há previsão para se retomar os projetos que não saíram do papel para o corredor das Águas Espraiadas. "Não há mais recursos previstos para a habitação social nessa operação urbana", diz o secretário Chucre.


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