Folha de S. Paulo


PF volta a investigar contratos suspeitos da UFSC em nova operação

A Polícia Federal desencadeou nesta quinta-feira (7) a Operação Torre de Marfim que apura suposta "aplicação irregular de verbas públicas federais destinadas a projetos de pesquisa desenvolvidas por fundações de apoio da UFSC", a Universidade Federal de Santa Catarina.

A investigação não tem relação com a Operação Ouvidos Moucos. Deflagrada em setembro, esta ação levou o então reitor da UFSC, Luiz Cancellier, para a prisão por um dia. Após ser solto, ele cometeu suicídio em um shopping na região central da capital catarinense.

As investigações dessa nova operação apontam para supostas irregularidades que, segundo a PF, aconteceram desde ao menos 1996, no período das gestões de seis reitores, entre elas a de Cancellier, que havia assumido a reitoria em 2016. A PF também informou que os contratos investigados somam R$ 500 milhões.

Nesta quinta, um grupo de 90 policiais federais, servidores do TCU (Tribunal de Contas da União) e da CGU cumpriram 14 mandados de busca e apreensão e seis mandados de condução coercitiva em Florianópolis e Balneário Camboriú (SC). As ordens judiciais foram expedidas pela 1ª Vara Federal na capita catarinense.

"Os fatos relacionados nesta operação se davam em projetos muito antigos que apresentavam uma série de irregularidades. Direcionamos as investigações para os coordenadores destes projetos e percebemos que eles continuavam a atuar da mesma forma irregular", disse o delegado federal Christian Barth durante entrevista coletiva em Florianópolis.

As investigações da operação Torre de Marfim apontam para irregularidades envolvendo repasses federais para duas fundações ligadas à UFSC: Fapeu (Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária) e Feesc (Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina). Segundo a PF, os servidores manipularam licitações e favoreceram empresas fantasmas ou de familiares na aquisição de bens ou contratação de serviços.

De acordo com Barth, os servidores investigados têm contrato de dedicação exclusiva com a UFSC e possuem patrimônio incompatível com os salários. "Em análises prévias, observamos que há servidores que têm patrimônio, em nome próprio ou em de familiares, que chega ao montante de R$ 7 milhões. Os salários destes servidores não superam os R$ 17 mil reais líquido", disse o delegado federal.

"Nós temos um processo aberto no TCU [Tribunal de Contas da União] onde ex-servidores da UFSC e gestores destas fundações já foram chamados à restituir os cofres públicos a quantia de R$20 milhões devido a irregularidades na aplicação", afirmou o secretário do TCU Waldemir Paschoiotto. Este contrato havia sido celebrado entre a Fapeu e a empresa Tríplice Consultoria e Serviços, que tem como proprietário o professor aposentado da UFSC, José Carlos Zanini. Ele seria um dos investigados conduzido coercitivamente nesta quinta-feira para prestar esclarecimentos à polícia.

Os mandados foram cumpridos na casa de servidores da UFSC em Florianópolis e também em Balneário Camboriú, bem como em salas das fundações da UFSC. A PF não informou o endereço das residências nem os alvos. No total foram seis conduções coercitivas entre empresários e servidores da UFSC. Todos os alvos que estavam em Florianópolis, cinco no total, foram encontrados e levados para a sede da Polícia Federal, no bairro da Agronômica, na região central da cidade. Já a pessoa de Balneário Camboriú que deveria ser conduzida pela PF coercitivamente não foi encontrada.

Os pedidos de condução coercitiva foram feitos pela Polícia Federal. Um pedido de prisão também havia sido feito, porém a Justiça Federal na capital catarinense indeferiu esse pedido.

A OPERAÇÃO

A apuração dos desvios começou por volta de 2014. Segundo a PF, a investigação da Torre de Marfim começou a partir de uma comunicação feita pelo gabinete da Reitoria da UFSC, que fora "instruída com nota técnica e relatórios elaborados pela CGU" e analisava "aparentes irregularidades em projetos de pesquisa desenvolvidos com uso de verbas públicas federais firmados em 2003 e 2004".

Uma das irregularidades identificadas, segundo a PF, foram "indícios de contratações de serviços sem licitação prévia, pagamentos realizados a empresas pertencentes a gestores de projetos, que estariam vinculadas a servidores da universidade ou das fundações de apoio e até mesmo pagamentos efetuados a empresas fantasmas".

Conforme a Polícia Federal, dois dos servidores investigados "teriam movimentado cerca de R$ 300 milhões em contratos na coordenação de projetos e convênios entre os anos de 2010 e 2017". "Durante este período foram identificadas diversas irregularidades quanto à execução financeira e apontando para o desvio de verbas públicas e para a prática de outros crimes licitatórios", informou a PF. Os crimes em tese investigados são "peculato e lavagem de dinheiro", além de "atos de improbidade administrativa".

Segundo a PF, "antes de serem levadas à apreciação do Ministério Público e do Poder Judiciário", as supostas irregularidades "foram auditadas pelos órgãos de controle como CGU e TCU" e as auditorias "geraram recomendações, solicitando a correção de práticas administrativas que poderiam levar ao mau uso do dinheiro público, o que não foi atendido pelos administradores".

"A UFSC, segundo informações da CGU, é a entidade recordista em recomendações para correção de irregularidades no Estado de Santa Catarina, com cerca de 120 recomendações, quase o dobro do segundo colocado", informou a PF.

OUTRO LADO

A UFSC informou por meio de nota que não houve, por parte das autoridades envolvidas na Operação Torre de Marfim, qualquer comunicado prévio à instituição quanto à ação realizada nesta quinta-feira (07) nem os motivos que levaram a deflagração dela. Segundo o comunicado, as conduções coercitivas dos servidores "mostraram-se, como as prisões e outras conduções ocorridas em setembro, desnecessárias, considerando, ao que tudo indica, que não haveria resistência ou negativas em prestar todos os esclarecimentos às autoridades por parte dos envolvidos".

"Manifestamos novamente nossa surpresa diante de outra operação policial, com ampla cobertura midiática, afetando diretamente a comunidade universitária sem que tenha sido respeitada a relação institucional entre os responsáveis pela operação e a Universidade Federal de Santa Catarina", informou a nota encaminhada no fim da tarde desta quinta.

De acordo com o comunicado, qualquer ato que configure irregularidade deve ser "rigorosamente apurado desde que seguidos os princípios de presunção de inocência, do direito à ampla defesa e ao contraditório, com base no devido processo legal, rejeitando qualquer ação apenas espetaculosa e midiática, a exemplo do que vivemos recentemente e cujo trágico desfecho é de conhecimento de toda a sociedade".


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