Folha de S. Paulo


Por terreno no ABC, sem-teto decidem ocupar secretaria de habitação em SP

Integrantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) decidiram acampar por tempo indeterminado na sede da Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo, na Boa Vista, região central da cidade. A decisão foi tomada em assembleia, no fim da tarde desta quarta-feira (6), após duas horas de reunião entre integrantes do movimento e do governo.

A ocupação teve início às 15h, quando cerca de 100 integrantes entraram no prédio –segundo o movimento, quase 6 mil pessoas ao todo participaram do ato. De acordo com o grupo, o objetivo é pressionar o Estado por respostas à demanda dos sem teto diante da reintegração de posse determinada pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) em um terreno ocupado há pouco mais de três meses em São Bernardo do Campo.

De acordo com o coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos, na reunião, os representantes da Secretaria não ofereceram alternativas às cerca de 7 mil famílias que ocupam um terreno de 70 mil metros quadrados, privado, na cidade do ABC paulista. Na segunda (11), será realizada uma tentativa de negociação entre governos, proprietário do terreno e MTST mediada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Boulos afirmou que o movimento apresentou três tentativas de acordo ao governo do Estado: desapropriação da área, cadastramento das famílias pela CDHU e apresentação de terrenos aptos à construção de moradias populares. O MTST sugeriu ainda, em último caso, um adiamento da negociação final no TJ até que uma nova proposta pudesse ser formulada.

"A resposta não foi aquilo que a gente gostaria –tinha que sair algo concreto. A posição da comissão [que conversou com a Secretaria nesta quarta] é que a gente não arrede pé daqui. A gente vai ficar o tempo que for necessário para sair com uma resposta", afirmou. Por maioria absoluta, os sem-teto concordaram com a permanência.

No início da tarde, os sem-teto se concentraram na praça da Sé e caminharam em silêncio até a sede da Habitação. Apesar de forçada, a entrada não teve nenhum ato de quebra-quebra. Não havia policiais nas imediações acompanhando o trajeto.

Além do ato de hoje, os sem-teto realizaram uma marcha, no último dia 31 de outubro, desde o terreno em São Bernardo até o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, no Morumbi, zona sul de SP. Lá, foram recebidos por secretários estaduais Rodrigo Garcia (Habitação) e Samuel Moreira (Casa Civil), que se comprometeram a analisar a situação e buscar soluções.

A Secretaria de Estado da Habitação informou que tem mantido diálogo permanente com os representantes do MTST, por meio de audiências e conversas telefônicas, para tratar sobre a ocupação de São Bernardo do Campo.

A OCUPAÇÃO

No último dia 2 de outubro, o Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a reintegração de posse do terreno após uma negociação entre poder público, proprietário e sem teto. A área, que tem quase 70 mil metros quadrados e é ocupada desde setembro, passou nesse período de 500 para cerca de 7 mil famílias, segundo o MTST. O terreno fica no Jardim Planalto e pertence à construtora MZM.

A construtora afirma que, como "legítima proprietária do terreno desde 2008 e tendo seus direitos resguardados sobre sua propriedade, aguarda que a lei e a ordem judicial que determinou a reintegração de posse sejam cumpridas de forma pacífica garantindo a ordem e a segurança de todos".

Ainda no TJ, em 15 de setembro o relator do processo, desembargador Correia Lima, havia suspendido a reintegração imediata da área –determinada em primeira instância pelo juiz Fernando de Oliveira Ladeira, da 7ª Vara Cível de São Bernardo.

Pela decisão de outubro, segundo a assessoria de imprensa do tribunal, terá de ser feita antes da reintegração uma intervenção prévia do Gaorp. O grupo existe no TJ desde 2014 e serve para mediação de conflitos -seja para tentativa de conciliação entre as partes, ou para amenização de desgaste desse tipo de ordem judicial aos afetados. Participam do grupo representantes das partes e também das administrações federal, estadual e municipal, para que, por exemplo, sejam apresentados encaminhamentos de sem teto a programas habitacionais.

A ocupação em São Bernardo cresceu e atraiu outros sem-teto da periferia da capital paulista, de São Bernardo, de onde é maioria dos ocupantes, e de Diadema. Ela acabou batizada pelo movimento como "Povo Sem Medo".

BUSCA POR MORADIA

"Luz não tem, água é um sufoco e a cama é de madeira com um colchãozinho". São essas as alegadas condições de moradia que fizeram com que Ana Paula da Silva, 38, comparecesse ao ato do MST nesta quarta-feira, no centro de São Paulo. A ex-doméstica vive com o marido, Jadilson Oliveira, 24, e seus 4 filhos, sendo um deles Victor, de 1 ano e 1 mês de idade, na ocupação do MTST em São Bernardo do Campo.

Na fila de espera por moradia há 2 anos, Ana Paula diz que sua presença no ato é um pedido de ajuda e espera que o poder público ofereça, futuramente, condições dignas de vida para sua família.

"A gente só tá aqui porque não tem onde morar. Ninguém quer fazer mal pra ninguém, só tem homem e mulher trabalhadeira. Espero que eles nos deem moradia, quem tá lá precisa", conta.

Amélia Vieira, 60, também participa do ato no centro de São Paulo e está morando sozinha na ocupação em São Bernardo. Para a ex-camelô de peças de roupa, as condições de vida são péssimas e ainda falta compreensão da sociedade em entender que existem pessoas que não têm onde morar.

"Olha, a luz lá praticamente não tem e, quando tem, não chega em todos os cantos. A água que tem, a gente tem que usar pra cozinhar a comida que vem de doação. A gente só vive de doação e ainda divide o que tem entre nós. Eu só quero uma casinha pra morar, as pessoas não entendem que todos queremos isso", diz.


Colaborou PAULO GOMES


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