Folha de S. Paulo


Embaixador em Praga ganha como docente da UNB mesmo sem dar aulas

Arquivo Agência Brasil
Estudantes caminham no corredor da UNB (Universidade de Brasília)
Estudantes caminham no corredor da UNB (Universidade de Brasília)

O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou nesta quarta (6) que a Universidade de Brasília (UnB) providencie e devolução de salários supostamente pagos de forma indevida ao embaixador do Brasil em Praga, Márcio Florêncio Nunes Cambraia.

Auditoria da corte, antecipada pela Folha, informa que o diplomata recebe como professor da instituição, embora esteja afastado da função desde 1985, vivendo a maior parte do tempo no exterior. Desde junho do ano passado, ele serve como chefe da missão brasileira na República Checa.

Além de determinar a restituição dos valores, o tribunal ordenou que a UnB apure as responsabilidades de quem deu causa aos pagamentos a Cambraia, formalmente vinculado ao Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da instituição.

A instituição passa por aguda crise financeira. Além disso, a corte decidiu comunicar "a situação irregular" ao Itamaraty para eventuais providências.

O relator do processo no TCU, ministro Walton Alencar, explicou em seu voto que o professor esteve licenciado para tratar de assuntos particulares até 19 de junho de 2015 e, desde então, "consta no sistema [da UnB] como se na ativa estivesse, recebendo, desde aquela data, a íntegra de sua remuneração".

Para ele, "custa crer" ser possível que o servidor público tenha o dom da "ubiquidade" [estar concomitantemente em toda a parte] para poder desempenhar as duas atribuições, uma de professor em Brasília a outra de embaixador na Europa.

Ele disse que a irregularidade pode estar ocorrendo desde o ano do afastamento do diplomata da universidade. "É impossível que o funcionário público tenha depositados em suas contas valores desde 1985 e não perceba", comentou. "Considero que não é dado a nenhum servidor beneficiar-se da própria torpeza em detrimento do erário", acrescentou.

CORTES EM UNIVERSIDADES E INSTITUTOS FEDERAISFalta de verba interrompe obras e prejudica serviços

O Portal da Transparência mostra que os salários do embaixador somam o equivalente R$ 48,4 mil, mas, com o abate-teto, o valor cai para o máximo permitido ao funcionalismo (R$ 33,7 mil brutos).

A maior parte (cerca de R$ 30 mil) é paga, em dólares, pelo Itamaraty. O restante vem da UnB.

O TCU explica que a acumulação só seria possível se Cambraia, efetivamente, trabalhasse na universidade e na embaixada, o que não é possível morando a milhares de quilômetros do Brasil.

Procurado pela Folha nesta quarta, o embaixador alegou em nota que "solicitou renovação de sua licença à UnB e que foi informado que o pedido havia sido aceito". Ele enviou documentos nos quais mostra que solicitou a prorrogação em dezembro de 2015, sem ônus para a universidade, e recebeu o aval do Instituto de Relações Internacionais da instituição. A autorização, no entanto, condiciona a aprovação ao referendo de um dos conselhos da UnB.

O Itamaraty explicou que não recebeu nenhuma comunicação do TCU a respeito do caso.

A UnB informou que "está em andamento um processo com o objetivo de fazer cessar os pagamentos" a Cambraia e para "obter a restituição ao erário dos valores recebidos no período em que não houve a prestação dos serviço". Explicou ainda que o processo exige "o contraditório entre as partes e, até a sua conclusão, existem aspectos resguardados por sigilo".

A UnB acrescentou que "o período em que não houve a contraprestação dos serviços começa a ser contado a partir de 20 junho de 2015, com o fim de licença não remunerada". "O acórdão do TCU será juntado aos demais fatos apurados em processo interno, e os documentos serão encaminhados para a Coordenação de Processo Administrativo Disciplinar."


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