Folha de S. Paulo


Debate opõe visões sobre eficácia do uso da tornozeleira eletrônica

Reprodução/Video
Corpo Delito | Trailer Oficial
Cena do documentário "Corpo Delito"

A tornozeleira eletrônica é uma alternativa mais humana para a ressocialização de presos ou uma outra forma de puni-los quando ganham direito a maior liberdade? A oposição entre os dois pontos de vista fomentou debate nesta segunda-feira (4) sobre a eficácia do mecanismo de monitoramento, utilizado no Brasil há sete anos.

Segundo o presidente da Comissão de Estudos sobre Monitoramento Eletrônico de Presos da OAB-SP, Paulo José Iász de Morais, a tornozeleira é uma tentativa de reintegrar o preso que cumpre regime de progressão de pena à sociedade, em oposição ao encarceramento, que tem caráter somente punitivo. "O monitoramento eletrônico tem essa proposta, de que o convívio familiar ajude a pessoa a entender que o melhor caminho é retomar sua vida, buscar uma forma adequada de trabalho. Não é fácil, mas é melhor que a cadeia", afirmou.

Morais fez críticas ao sistema carcerário brasileiro, que, segundo ele, é superlotado e ineficiente, mas disse que hoje não existe na sociedade alternativa para a punição de crimes.

Ele falou durante debate sobre o documentário "Corpo Delito", organizado pela Folha e pela Vitrine Filmes, no Espaço Itaú do Shopping Frei Caneca. O filme acompanha o cotidiano de Ivan Silva, um preso em regime semiaberto no Recife (PE), que tenta adaptar sua nova rotina em casa à falta de liberdade do uso da tornozeleira.

Também participaram do evento o diretor Pedro Rocha, os protagonistas Ivan Silva e José Neto e o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Valdir João Silveira. A mediação foi feita pelo repórter de "Cotidiano" da Folha Rogério Pagnan.

Trailer

Para o padre Silveira, o monitoramento foi pensado inicialmente como uma forma de diminuir a enorme população carcerária no Brasil, mas se transformou em uma punição adicional a presos que já tiveram reconhecido seu direito ao regime semiaberto ou à saída temporária da prisão. "O sistema não funciona. Desde a introdução do monitoramento, só tem aumentado o número de presos no Brasil. Além disso, acaba sendo pior. Se antes o corpo estava aprisionado, agora a prisão é que está no corpo", disse.

O padre questionou a afirmação de Morais de que não há alternativa viável ao sistema carcerário. Ele citou como exemplos a justiça restaurativa, em que a vítima participa do processo e há possibilidade de ressarcimento de danos, e modelos de resolução de conflitos pela própria comunidade.

O protagonista Ivan, que voltou à prisão em 2015 após burlar a tornozeleira, contou que se sentiu incomodado com a perda da liberdade ao retornar à sua casa. "Fiquei triste, abatido. Mas não me arrependi de ter feito [burlado o mecanismo], porque era uma necessidade minha. Onde moro, todo mundo que usa a tornozeleira faz isso."

Ele passou mais dois anos na prisão e foi solto recentemente. Assistiu ao filme pela primeira vez na sessão exibida antes do debate.

O diretor Pedro Rocha elogiou a prontidão de Ivan para assumir riscos em frente à câmera –no filme, ele aparece encapando a tornozeleira com papel alumínio, o que inibiria o sinal de monitoramento.

Rocha também falou que o processo de convencimento inicial para a realização do documentário foi longo e complicado. "Ele dizia que eu tinha cara de policial. Passamos por momentos bem tensos, mas acabou dando certo."

De acordo com Ivan, apesar de ter deixado a criminalidade, ainda há preconceito por parte da polícia, que costuma abordá-lo na rua, e de conhecidos, por ser ex-presidiário. Também fez críticas à prisão em que ficou, onde, segundo ele, havia oito salas de aula, nenhuma delas utilizada. Ele disse que não havia acompanhamento psicológico dos presos nem oportunidades de trabalho.

"É muito difícil um jovem na periferia sair do mundo crime. Sai para a cadeia, dentro de um caixão ou aleijado. O sistema prisional é falido, deixa a pessoa ainda mais revoltada. Se você quer se ressocializar, é com você mesmo. Só tenho a agradecer a Deus por ter conseguido sair vivo."

Durante o debate, o moderador Rogério Pagnan recebeu críticas do público por ter questionado Ivan sobre os crimes que o levaram à prisão –assalto e tráfico de drogas, algo que não é revelado no filme.


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