Folha de S. Paulo


Galpões doados à gestão Doria viram abrigos VIP para moradores de rua

Em dois meses, Alessandra de Assis, 33, conseguiu reunir, entre doações e compras feitas com o que ganha na reciclagem de latinhas, ao menos três sacolas de roupas, coleção de bichinhos de pelúcia, um liquidificador e um aparelho de DVD.

Os pertences são tantos que quase cobrem sua cama no CTA (Centro Temporário de Acolhimento) na Vila Mariana, onde mora desde que deixou as ruas. Ela, porém, não abre mão de nada. "Era impensável juntar tudo isso enquanto era sem-teto", diz.

A cama de Alessandra fica em um galpão transformado em quarto onde dormem outras 19 mulheres em beliches enfileirados. Elas são responsáveis pela limpeza do local, mas as roupas de cama são enviadas para a lavanderia uma vez por semana, e as refeições diárias são servidas em esquema de buffet.

A configuração se repete nos outros dez abrigos temporários com 12 mil vagas de acolhimento inaugurados pela gestão do prefeito João Doria (PSDB) desde o início do ano. Na maioria, são imóveis ociosos que foram emprestados para a prefeitura pela iniciativa privada.

Há casos em que a prefeitura paga aluguel e, em outros, a própria administração cede imóveis para serem transformados em abrigos, como uma UBS (Unidade Básica de Saúde) que foi desativada e ganhou beliches na região do Anhangabaú.

A ordem é fazer as reformas em tempo recorde, e o prefeito chegou a anunciar a inauguração de ao menos um espaço por mês. A iniciativa privada banca todas as obras de readequação e também equipa os espaços com beliches, computadores, fogões, máquinas de lavar e secar e roupas de cama.

ADAPTAÇÃO

Na Vila Mariana, com 120 vagas, os dois quartos, um masculino e um feminino, ficam no subsolo de um prédio onde já funcionava um projeto social ligado a uma igreja. Em outro endereço, na Barra Funda, as salas que antes pertenciam à fundação de uma empresa de telefonia deram lugar a 290 vagas de acolhimento. Nos capachos em frente aos quartos, ainda está o logotipo da companhia.

Segundo Doria, o projeto já tirou das ruas quase 2.500 pessoas. Até o fim de fevereiro, o prefeito prevê a inauguração de mais dez endereços. "Nossa ideia era estarmos com 18 [CTAs] prontos até o final deste ano, mas, em função de estarmos fazendo um amplo para famílias, vamos fazer com mais calma."

Além de oferecer cama, banho e refeições, os centros de acolhida têm papel fundamental em outro programa municipal, o Trabalho Novo, que busca recolocar os sem-teto no mercado de trabalho por meio de vagas oferecidas por empresas em parceria com a prefeitura. Somente quem está abrigado pode fazer o curso de capacitação, pré-requisito para concorrer aos empregos que pagam, em média, um salário mínimo.

Assistentes sociais avaliam os abrigados a cada três meses e definem quanto tempo mais poderão ficar. Eles são incentivados a conseguir um emprego e alugar moradia própria. "É uma resposta positiva que a Prefeitura de São Paulo dá ao flagelo do desemprego e ao flagelo das ruas", disse o prefeito, ao inaugurar o décimo CTA, no Bom Retiro, nesta segunda (4).

Nos espaços, os frequentadores também têm à disposição canis, lugar para estacionar as carroças e acesso a aulas de informática em que têm a chance, por exemplo, de elaborar seus currículos.

No CTA Brás, porém, os monitores perceberam que, antes de aprender a mexer no computador, os abrigados precisavam aprender a ler e escrever. As oficinas de informática, então, deram lugar a aulas de alfabetização.

"Percebemos que a demanda era ainda mais primária", diz o gerente do abrigo, Marcos Bezerra de Queiroz.

INAUGURAÇÃO

Como fez em cada endereço inaugurado, Doria seguiu o mesmo script nesta segunda: visitou cada ambiente do centro de acolhida, deu palpites e, durante discurso, agradeceu aos parceiros da iniciativa privada que ajudaram com doações. No fim, ele descerrou a placa de inauguração ao som do tema da vitória do piloto Ayrton Senna.

Para manter os atendimentos nos centros de acolhida sem dinheiro em caixa para novos investimentos, a prefeitura recebeu nesta ano repasse de R$ 14 milhões do governo estadual. Para o próximo ano, os gastos vão estar incluídos no orçamento da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social.

"Estamos fazendo o que há de mais moderno em assistência social", disse o secretário Filipe Sabará. Segundo ele, a Prefeitura de Paris inaugurou recentemente um centro de acolhida nos mesmos moldes para receber os refugiados que chegam ao país. Os espaços são gerenciados por entidades que já operam convênios em outros equipamentos de assistência social da prefeitura.


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