Folha de S. Paulo


Prédio raro onde morou regente Feijó fica esquecido na zona leste de SP

Eduardo Knapp - 30.out.2017/Folhapress
Interior do Sítio do Capão, construído em taipa de pilão no século 17; construção fica no Tatuapé
Interior do Sítio do Capão, construído em taipa de pilão no século 17; prédio fica no Tatuapé

São Paulo tem apenas um punhado de construções anteriores ao século 20. Do século 18, então, quase nada. Mas o Sítio do Capão, construção já registrada no século 17 (em 1698), é quase um anônimo na cidade.

Cercado de terrenos vazios e até de uma área de 35 mil m² entregue à prefeitura em 2003, está ocioso há décadas.

Ali, entre paredes de taipa de pilão, morou entre 1827 e 1841 o regente Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Sacerdote, professor de filosofia, deputado nas Cortes de Lisboa (representando São Paulo) e ministro da Justiça, o padre Feijó presidiu por dois anos o Brasil (de 1835 a 1837), quando o então imperador Pedro 2º ainda era uma criança.

Em 1911, o sítio foi comprado pela filantropa Anália Franco (1853-1919). Professora e jornalista, ela abriu 70 escolas no Estado e 20 creches, além de escolas técnicas para mulheres e o Liceu Feminino.

Seu internato funcionou ali por 70 anos. Parte da vasta propriedade foi sendo vendida nesse período –e assim surgiu o conhecido Jardim Anália Franco, no Tatuapé.

Desde 1981, quando a Associação Anália Franco se mudou para a cidade de Itapetininga (interior de SP), o prédio não tem uso contínuo.

O terreno que tinha permanecido nas mãos da instituição foi vendido logo depois e desmembrado em 2003 para vários novos proprietários.

Um longo restauro na construção principal foi feito entre 1999 e 2003 pelo escritório do arquiteto Samuel Kruchin. A taipa estava se desfazendo pela chuva, o entelhamento já tinha várias lacunas e a madeira, da estrutura ao piso, sofria com o apodrecimento. Obras dos anos 1960 que haviam descaracterizado parte do imóvel foram revertidas.

Kruchin, que já restaurou da Bolsa do Café em Santos, no litoral sul paulista, ao Palácio de Justiça, na praça da Sé, também fez um plano diretor, sugerindo os novos usos para a área.

DOAÇÃO SEM USO

Seguindo os planos de Kruchin, um terreno vizinho virou o campus Anália Franco da Universidade Cruzeiro do Sul. Outra área abriga um supermercado e também uma academia de ginástica. Empreendimentos imobiliários não saíram do papel.

Outros terrenos empacaram. A construção tombada, raro exemplar da arquitetura da época dos bandeirantes, fica no meio deles, fechada desde então, apesar de bem preservada pelos proprietários.

Durante o desmembramento da gigante propriedade entre vários novos donos, uma parte dela teve que ser cedida ("doada") à prefeitura.

Uma lei de 1981 sobre loteamentos determina que sejam doados 20% da propriedade do loteamento para área de circulação, 15% para áreas verdes e 5% para usos institucionais (como escolas e postos de saúde).

Editoria de arte/Folhapress

Tornaram-se de "domínio público", de acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), 26.180 m² de mata nativa e mais 8.727 m² para "uso institucional".

Esses 35 mil m² não têm uso nem estão abertos para visitação, em 14 anos. Para se ter uma ideia, o quarteirão do chamado Parque Augusta, no centro, tem 24 mil m².

SEM PROJETO

A prefeitura não tem um cadastro atualizado de todos os imóveis que possui na cidade. A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente informou que não é responsável pela área e que não se trata de uma unidade de preservação.

Depois da exigida a doação, faltaram ideias, projetos ou orçamento para fazer alguma coisa com o espaço.

À Folha, a secretaria de Urbanismo comunicou que a prefeitura "não é dona, mas guardiã da área verde" e que a área "pertence aos cidadãos". O acesso à propriedade, no entanto, é fechado.

A gestão João Doria (PSDB) não soube informar de nenhum projeto para a área.

"Se alguma secretaria se interessar pelo terreno institucional para instalar ali uma creche, escola ou posto de saúde, o terreno passa para a secretaria envolvida", informou a assessoria de comunicação da SMUL. Nenhuma secretaria se manifestou. Enquanto espera algum uso, o terreno está sob responsabilidade da Prefeitura Regional de Aricanduva-Formosa-Carrão.

Colados ao sítio, há três terrenos vazios, que totalizam 37 mil m² –2,5 vezes o tamanho do terreno do Conjunto Nacional, na av. Paulista.

Pelas regras de tombamento do sítio, o recuo para alguma nova construção por ali é em "cone" –quanto mais distante do casarão, a altura maior é permitida.

Perto do imóvel, é permitido um edifício de quatro andares, no máximo, de acordo com a limitação determinada no tombamento. A partir de 90 metros, a edificação poderia crescer em altura.

Os terrenos vazios ficam em frente ao Shopping Anália Franco. Ainda não surgiu nenhum projeto integrado do bem tombado com novas construções, como aconteceu na Casa das Rosas, na avenida Paulista, e na Casa Bandeirista, no Itaim Bibi, na avenida Brig. Faria Lima.

Em ambos os casos, apesar da preservação, os projetos arquitetônicos se limitaram a torres contemporâneas genéricas, após longa negociação para serem aprovados. Um projeto com boa arquitetura para realçar e conviver com o bem tombado é raridade.

Os proprietários do imóvel que inclui o sítio, de 10 mil m², não quiseram dar entrevista à Folha para explicar qual pode ser o destino da área.


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