Folha de S. Paulo


Presidente da EBC ironiza Taís Araújo por críticas ao racismo no Brasil

Sergio Zalis/Divulgação/TV Globo
Os atores Lázaro Ramos e Taís Araújo

O presidente da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), Laerte Rimoli, compartilhou nas redes sociais posts que ironizam recente declaração da atriz Taís Araújo, 38, acerca do racismo no Brasil. Além dele, o secretário de Educação do Rio, Cesar Benjamin, também afirmou ser uma "idiotice racial".

Em agosto, durante o TEDxSaoPaulo, a atriz afirmou que a cor de seu filho faz com que as pessoas mudem de calçada no Brasil.

"Quando eu engravidei do meu filho, eu fiquei muito aliviada de saber que no meu ventre tinha um homem. Porque eu tinha a certeza de que ele estaria livre de viver situações vivenciadas por nós mulheres. Certo? Errado. Porque meu filho é um menino negro. Liberdade é um direito do qual ele não vai poder usufruir. No Brasil, a cor do meu filho é o que faz que as pessoas mudem de calçada, segurem suas bolsas, blindem os seus carros."

Declaração de Tais Araújo

A declaração foi revelada apenas no dia 14 de novembro pela organização do evento onde fez a afirmação. Na ocasião, Taís Araújo foi convidada a falar sobre "como criar crianças doces num país ácido". Ela e o marido, o também ator Lázaro Ramos, são pais de duas crianças, João Vicente e Maria Antônia.

Nesta quarta-feira (22), Rimoli excluiu as imagens, publicando um pedido de desculpas. "Peço desculpas à atriz Taís Araújo e sua família por ter compartilhado um post inadequado em minha timeline".

No último domingo (19), Rimoli replicou um post com a imagem de um homem em queda livre ao lado de um avião. Diz o texto: "Passageiro pula de avião ao constatar que Taís Araújo estava a bordo".

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Presidente da EBC ironiza declaração de Thaís Araujo sobre racismo no Brasil
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Presidente da EBC ironiza declaração de Thaís Araujo sobre racismo no Brasil
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Presidente da EBC ironiza declaração de Thaís Araujo sobre racismo no Brasil

Na sua timeline, Rimoli reproduz ainda posts em defesa do apresentador Wiliam Waack, afastado do "Jornal da Globo" após ser acusado de racismo. Waack aparece em um vídeo dizendo que o barulho de uma buzina é "coisa de preto". O vídeo foi divulgado em um grupo de WhatsApp de editores de TV antes de chegar à web.

"IDIOTICE RACIAL"

Além do presidente da EBC, o secretário de Educação do Rio, Cesar Benjamin, também criticou as declarações de Tais Araújo. "Nossa maior conquista –o conceito de povo brasileiro– desapareceu entre os bem-pensantes. Qualquer idiotice racial prospera. A última delas é uma linda e cheirosa atriz global dizer que as pessoas mudam de calçada quando enxergam o filho dela, que também deve ser lindo e cheiroso. Vocês replicam essa idiotice", escreveu Benjamin, em sua página no Facebook.

O secretário disse ainda que "se os brasileiros mudassem de calçada quando vissem uma pessoa morena ou negra, viveriam em eterno ziguezague. Nunca chegariam a lugar nenhum."

Benjamin afirmou que há poucos negros e brancos na prisão porque a maioria é de "gente morena". "Me poupem de dizer que "os negros estão nas prisões". Isso vale para falar bonito para a classe média. Vivi bastante tempo no meio da massa carcerária de Bangu, como preso comum. Os brancos, como eu, eram pequena minoria. Os negros também eram pequena minoria. A grande maioria era de gente morena, com todas as gradações do nosso povo. As cores dos presos na galeria em que fiquei, e nas demais, e as cores que vejo na rua são exatamente as mesmas", disse Benjamin.

Um dia depois de polemizar nas redes sociais, Benjamin classificou como "uma absoluta mentira" a afirmação da global.

"O que me chamou a atenção não foi a entrevista da atriz, mas o fato de tanta gente replicar como verdade uma coisa que é uma absoluta mentira. Ninguém atravessa a rua quando vê uma criança negra no Brasil. Vamos parar como essa paranoia, de nos agredir tanto. Vamos baixar a bola", disse o secretário, ao participar na tarde desta quarta (22) do Programa "Sem Censura", na TV Brasil.

"É óbvio que existe racismo no Brasil. E tem que ser combatido preservando as nossas conquistas. A nossa maior é a ideia do país da síntese", acrescentou

Editor, Benjamin foi um dos primeiros escolhidos pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB) para ocupar uma secretaria.

No programa, ele admitiu que está na "contramão" ao criticar a declaração da atriz, mas que vai "morrer defendendo o Brasil".

"Temos um cultura fortemente miscigenada. Na antropologia, falam cultura de síntese. Estamos sempre fazendo essa síntese. Essa é a característica do Brasil. Me preocupa muito em preservar essa identidade brasileira. Se não tivermos claro essa ideia, o Brasil não vale mais a pena", afirmou o secretário.

Benjamin criticou a militância "rancorosa", "que tenta recontar a história do Brasil numa perspectiva que significa uma degradação de nossa maior vitória".

"A maior vitória do Brasil foi a formação do povo brasileiro. Um contingente humano que não existia há algumas décadas. Esse contingente amorfo trazido de todas as partes do mundo constituiu um povo novo, uma identidade nacional. Se perdermos isso, perdemos tudo", disse o secretário.

Benjamin tem uma carreira fora do padrão. Ele integrou o MR-8, foi guerrilheiro e torturado pela ditadura.

Intelectual autodidata, o secretário de Educação obteve o diploma do ensino médio no Complexo Penitenciário de Bangu, onde passou o último dos cinco anos de prisão na ditadura. Chegou a cursar economia na UFRJ, mas não concluiu. Seu único título é de doutor "honoris causa" da Universidade Bicentenária de Araugua (Venezuela).

RACIALIZAÇÃO

No programa, Benjamin disse que fica incomodado com "a racialização no Brasil". "Essa crescente de negros e brancos. Eu sou branco, você é negro. As acusações. Isso não faz parte da história, da cultura brasileira. Fiz esse post porque vi muita gente replicando a sério uma afirmação de uma atriz, bonita, bem sucedida, dizendo que as pessoas atravessavam a rua para não cruzar com o filho dela na calçada. Isso acabou sendo replicado nas redes como uma verdade", disse o secretário.

"Sou brasileiro e caminho nas ruas a vida inteira e nunca vi ninguém atravessando porque tem uma criança negra na calçada. Isso sinaliza muito a falta de critério. Nos acostumamos a naturalizar a questão racial no Brasil e acreditar numa mentira. Que somos o país mais racista do mundo. Isso é uma grande mentira", acrescentou.


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