Folha de S. Paulo


Hoje fantasma, vila histórica será restaurada no litoral sul da Bahia

Rio do Braço é mesmo uma cidade fantasma. Ali, uma dezena de construções abandonadas há décadas, parcialmente desmoronadas e tomadas pelo mato, ladeiam uma estrada de terra a 36 km do centro de Ilhéus, na Bahia.

Lucas Kruchewsky, 38, vê esses prédios, que marcaram sua infância: havia ali cartório, posto de saúde, uma rádio comunitária, uma igreja e um chafariz. Nos últimos anos, ele se dedica a recuperar Rio do Braço e a tentar transformar o lugar em um destino turístico e histórico, com recordações do auge do ciclo do cacau na Bahia.

Encruzilhada entre estradas que levam às plantações, o Rio do Braço era um dos pontos de escoamento da produção. A estação foi aberta em 1911. Tropas de mulas carregavam os frutos até o local, de onde partia o trem até Ilhéus, no litoral.

Nos anos 1950, a operação da ferrovia foi repassada dos ingleses para o Estado da Bahia. Com problemas estruturais, o ramal foi fechado na década de 1960. Vinte anos depois, a produção de cacau na Bahia foi duramente afetada pela praga vassoura-de-bruxa, um fungo que dizimou plantações e riquezas locais e contribuiu para que muitas pessoas deixassem a região.

Hoje, as plantações foram recuperadas, e frutos coloridos são vistos atrás das cercas das fazendas. Lucas é neto de Alcides Kruchewsky, coronel filho de imigrantes prussianos que foi dono de fazendas ao redor do Rio do Braço. Quando adulto, Lucas decidiu morar na Chapada Diamantina (BA). Lá criou um negócio de aluguel de cavalos para trilhas e planejava abrir uma pousada.

Em 2010, no entanto, seu pai, Fernando, o procurou e pediu que ele voltasse para casa. A fazenda da família passava por dificuldades. Ele aceitou o chamado, começou a recuperar a propriedade e acabou estendendo o trabalho à vila abandonada. "Não podia deixar essa história toda se perder. Comecei cortando o mato. Depois retirei as telhas da estação, lavei no rio uma por uma e recoloquei", conta Lucas.

"Algumas pessoas passavam e riam. Tinha gente que apostava contra. Mas muito do que consegui foi com apoio dos vizinhos. Fazia um almoço, juntava as pessoas e colocávamos uma parede de pé", lembra o neto do coronel.

REFORMAS

Até agora, foram reformados os galpões que compunham a estação, que funcionam como restaurante e espaço de eventos. Em junho, foi realizado ali uma festa de São João, que durou dez dias e atraiu 10 mil pessoas, nas contas do proprietário.

O dinheiro gasto pelos visitantes ajuda a custear as reformas e restaurações. A igreja de São Sebastião, que estava sem teto e sem algumas paredes, mas ainda com o altar, é o segundo prédio a passar por reformas. "Em novembro, se não chover muito, devemos acabar de consertar o telhado e a sacristia", planeja Lucas.

Quando a igreja for refeita, poderá receber casamentos. Também há planos de fazer feiras mensais de produtos cultivados por pequenos agricultores dos arredores. Lucas estima que sejam necessários R$ 1,2 milhão para recuperar todos os 14 prédios da vila. "A gente não tem verba pública, nem empresários toparam ajudar."

No ano passado, em meio ao processo de recuperação, o pai de Lucas, já octagenário, morreu alguns dias após a primeira festa de São João feita na estação. "Meu pai me ensinou a cozinhar, a fazer móveis, a lidar com as plantas. Estou usando muitas coisas que aprendi com ele para recuperar esse lugar", conta Lucas, com o filho Bento, 8, ao seu lado.

O repórter RAFAEL BALAGO viajou a convite do Cana Brava Resort


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