Folha de S. Paulo


Ministro de Temer não mostra provas após duras acusações contra PM do RJ

Renato Costa - 08.set.17/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 08/09/2017 Entrevista com Ministro da, ministro da Justiça, Torquato Jardim,. (Foto: Renato Costa/Folhapress, ***EXCLUSIVA***ESPECIAL***
Torquato declarou que Pezão e o secretário de Secretário não controlam a PM

Após declarar que o sistema de segurança pública do Rio não é controlado por suas autoridades, mas sim por um acordo entre deputados estaduais e o crime organizado, e que comandantes da polícia "são sócios" do crime, o ministro Torquato Jardim (Justiça) ainda não apresentou provas que fundamentem todas essas acusações.

Por meio de sua assessoria, disse apenas que não comentaria as declarações, dadas na última terça (31) ao blogueiro do UOL Josias de Souza, nem responderia perguntas enviadas por e-mail pela Folha.

Suspeita-se que haja casos de corrupção na PM do Rio. Neste ano, até julho, a Auditoria da Justiça Militar do Rio abriu 149 processos contra policiais e bombeiros militares por suspeitas de crimes como corrupção, extorsão e roubo. No final de junho, policiais de um batalhão em São Gonçalo, na região metropolitana, foram presos sob suspeita de integrar quadrilha de venda de armas e prestação de serviço de segurança para traficantes. No entanto, até o momento, o ministro não forneceu nenhum dado que corrobore suas acusações.

Na entrevista ao UOL, o ministro disse estar convencido que a morte do comandante do 3º batalhão da PM do Rio, no último dia 26, se tratava de "acerto de contas". O carro em que estava o coronel Luiz Gustavo Lima Teixeira, 48, foi atingido por 17 tiros, mas, segundo a polícia, durante um arrastão.

Policiais militares mortos no Estado neste ano - Até novembro

Em reação às declarações, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) vai pedir que o ministro de Michel Temer se explique à Justiça. Por meio da PGE (Procuradoria Geral do Estado), entrará com uma interpelação judicial. Na prática, isso significa que a PGE pedirá ao STF (Supremo Tribunal Federal) que notifique o ministro para esclarecer, diante da Justiça, se estava ou não denunciando um crime.

A intervenção do STF se faz necessária porque, como ministro, Torquato tem foro privilegiado. No entendimento da PGE, se o ministro confirmar o que disse, mas não apresentar provas, estará cometendo crime de prevaricação –quando um funcionário público deixa de fazer seu serviço, no caso, denunciar um crime. Ainda segundo a procuradoria, se ele não confirmar que suas declarações representam uma denúncia, isso significa que teria cometido injúria e difamação.

Além disso, um grupo de 44 oficiais que se formaram com o coronel Teixeira decidiram fazer uma interpelação judicial. Representados por um advogado, pedirão que o ministro diga, perante a Justiça, se confirma ou volta atrás no que disse.

Se o ministro não reagir, o grupo pedirá que o Ministério Público abra um processo investigatório.

"Se ele sabia de alguma coisa, tinha o dever de tomar providências", diz o advogado do grupo de oficiais, Marcelo Queiroz. Em última instância, a família do coronel pode processar a União por dano moral.

ROCINHA

Em nova entrevista, desta vez para o jornal "O Globo", Torquato reiterou as acusações que havia feito ao blog, mas, novamente, não forneceu provas. Deu a entender, ainda, que criminosos atuam na favela da Rocinha, na zona sul, com o aval da polícia.

"Nós temos informação: R$ 10 milhões por semana na Rocinha com gato de energia elétrica, TV a cabo, controle da distribuição de gás e o narcotráfico. Em um espaço geográfico pequeno. Você tem um batalhão, uma UPP lá. Como aquilo tudo acontece sem conhecimento das autoridades?", perguntou o ministro.

A Polícia Militar empossou, nesta quarta-feira (1º), um novo corregedor-geral, o coronel Jorge Fernando de Oliveira Pimenta. O posto estava vago desde que o coronel Wanderby Braga de Medeiros foi exonerado do cargo, após amorte da espanhola Maria Esperanza Ruiz Jimenez, baleada durante um passeio na favela da Rocinha.

As afirmações também abriram uma crise entre o ministério da Justiça e autoridades estaduais, com acusações do presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), e respostas duras do secretário de Segurança, Roberto Sá, e do governador, Pezão.

LETALIDADE POLICIAL - Evolução do número de mortos pela polícia nos primeiros semestres de cada ano

O Rio enfrenta uma grave crise financeira, com cortes de serviços e atrasos de salários de servidores, e está perto de um colapso na segurança pública. O número de mortes violentas no primeiro semestre deste ano (3.457) cresceu 15% em relação ao mesmo período de 2016. Foi o primeiro semestre mais violento desde 2009 (3.893).

Mortes de policiais e mortes perpetradas por policiais também estão em alta. Na noite da última terça, mais um policial morreu, após ser baleado em Campo Grande, na zona oeste do Rio. Ele estava de folga, dentro de uma farmácia, quando foi atingido. Foi o 114º PM assassinado neste ano. A Polícia Civil ainda investiga o que motivou o crime.

Outro efeito da crise foi a redução do número de policiais em favelas ocupadas por facções criminosas. As UPPs, base policiais em comunidades controladas pelo tráfico, perderam parte de seu efetivo. A situação é tal que o presidente Michel Temer (PMDB) autorizou o uso das Forças Armadas para fazer a segurança pública do Rio até o final do ano que vem.

Por isso, autoridades estaduais e federais vinham trabalhando juntas nos últimos meses. No início de setembro, a relação entre representantes das duas esferas já havia sido afetada quando o secretário de Segurança disse que a vinda das Forças Armadas fora uma escolha do governo federal, e que o Estado teria preferido uma ajuda financeira. Ainda não está claro se a crise que se instalou desde as declarações do ministro terão algum impacto na atuação das forças federais no Rio.

RAIO-X DA CRISE NO ESTADO DO RIO

TEMER

Com as polêmicas afirmações, o presidente Michel Temer decidiu diminuir o envolvimento do Ministério da Justiça na segurança pública, evitando que a crise deflagrada pelo ministro se estenda para parcerias com os governos estaduais.

O peemedebista dará maior protagonismo para o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Sérgio Etchegoyen, que passará a ser o principal interlocutor com o Rio de Janeiro e conduzirá o plano nacional de segurança pública.

O episódio causou ainda mais desgaste na imagem de Torquato, que já havia criticado a posição defendida pelo presidente sobre condenações em segunda instância. Temer, no entanto, ainda não considera que a polêmica seja suficiente para demiti-lo.

A ordem do presidente é para que auxiliares e assessores evitem se posicionar sobre o caso, não alimentando, assim, mais crises governamentais diante de um cenário permanente de fragilidade política do Palácio do Planalto.

MAIA

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrou que Torquato apresente provas sobre "as graves acusações" contra o comando da segurança pública no Estado.

Em nota divulgada nesta quarta-feira (1º), Maia também disse esperar que o governo federal se pronuncie oficialmente sobre as falas de Jardim. O deputado afirmou ainda que "o Rio espera ações do governo e do ministro da Justiça".

MAPA DAS MORTESEstado do Rio tem 843 áreas controladas pelo crime

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