Folha de S. Paulo


Estátua em praça no centro de SP virou tema de crônica que até causou prisão

Folhapress - 25.ago.1960
ORG XMIT: 275901_0.tif Duque de Caxias - Cerimônia de inauguração do monumento em homenagem a Duque de Caxias, na praça Princesa Isabel, dentro do programa das comemorações do Dia do Soldado. Na solenidade, do qual participou uma banda do Exército, estiveram também presentes autoridades civis e militares. (São Paulo, SP, 25.08.1960. Foto: Folhapress) Ficha técnica: Dimensões: peça - bronze 15,88 x 4,10 x 13,20 m; pedestal - granito - 25,28 x 6,70 x 11,51 m Autoria: Victor Brecheret (n. Itália, 1894 - m. São Paulo-SP, 1955) Data de realização: de 1943 a 1959 Data de instalação: 25.08.1960 Localização: praça Princesa Isabel (Campos Elíseos)
Inauguração do monumento em homenagem a Duque de Caxias, na pça. Princesa Isabel, em São Paulo

Quem passa pela praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, nota, em meio a sujeira e as árvores, um grande pedestal. Sobre ele um militar em cima de um cavalo, com uma espada para o alto.

A reforma da praça –que será paga pela Porto Seguro, com investimento de R$ 1 milhão– pode ajudar a destacar a estátua e aguçar a curiosidade sobre a obra.

O militar ali retratado é Luís Alves de Lima e Silva, mais conhecido como Duque de Caxias, figura central do Exército brasileiro, seu patrono desde 1962.

Único militar a se tornar duque durante o reinado de Pedro 2º, ele liderou o Exército em diversas batalhas, como na Guerra do Prata, onde derrotou a Confederação Argentina, e na Guerra do Paraguai, quando liderou as tropas brasileiras no posto de marechal.

Os trabalhos para a construção do monumento a Duque de Caxias começaram em 1942. A estátua foi construída no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, sendo concebida com pedestal de granito e bronze patinado.

Oito anos depois, em 1950, o monumento estava finalizado, mas não pôde ser inaugurado. Com o crescimento da cidade, locais em que se pretendia instalar o monumento foram se tornando inviáveis.

Finalmente, em 25 de agosto de 1960, data do Dia do Soldado, a estátua foi inaugurada na praça Princesa Isabel, com desfile militar e a presença do então prefeito de São Paulo, Adhemar de Barros.

O local não era a praça da Bandeira, como queria Victor Brecheret, escultor da estátua e morto em dezembro de 1955.

A ESTÁTUA E A FOLHA

O monumento talvez fosse só uma estátua como tantas outras pela cidade se, em 1977, Lourenço Diaféria, então colunista da Folha, não o tivesse usado como analogia para contar a história de um sargento que saltou num poço de ariranhas, no zoológico de Brasília, para salvar um garoto de 14 anos.

Com o texto "Herói. Morto. Nós., Diaféria comentava o feito e a morte do sargento do Corpo de Bombeiros, que deixava quatro filhos e a mulher, mas que saltara para salvar um adolescente que "estava sendo dilacerado pelos bichos". "Prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias. O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. (...) O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal", escreveu o jornalista.

O texto, publicado em 1º de setembro de 1977, repercutiu mal entre os militares. Dias depois, atendendo a representação do ministro do Exército, general Silvio Frota, o ministro Armando Falcão (Justiça) determinou abertura de inquérito.

No dia 15, Diaféria foi detido, em sua casa, pela Polícia Federal. No dia seguinte, a Folha publicou a coluna em branco na página 44, na Ilustrada, com um aviso de que a coluna diária de Diaféria não seria publicada em virtude de sua detenção.

A celeuma entre o jornal e os militares ainda rendeu uma ameaça do chefe da Casa Militar da Presidência, general Hugo Abreu, de que fecharia o jornal caso o espaço da coluna saísse novamente em branco. O colunista permaneceu detido por cinco dias.

Após a polêmica, Diaféria (1933-2008) voltou a escrever para o jornal. Ao todo, ele publicou 1.868 textos, entre colunas e reportagens assinadas, na Folha.

ORG XMIT: 255101_0.tif Folha 80 Anos: Coluna em branco (à dir.) em página do caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo protesta contra prisão do jornalista Lourenço Diaféria, em 16.09.1977. Foto: Folhapress
Coluna em branco (à dir.) em página da Ilustrada protesta contra prisão do jornalista Lourenço Diaféria

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