Folha de S. Paulo


Jovem tem 17 vezes mais chances de morrer no Brás que na Vila Matilde

Um jovem de 15 a 29 anos tem 16,6 vezes mais chances de ser assassinado no Brás, distrito do centro de São Paulo, do que na Vila Matilde, na zona leste. Neste último, a taxa de homicídios juvenil é de 8,03 por 100 mil habitantes, enquanto no bairro central ela é de 133,45.

Outras 14 regiões da cidade têm taxa igual a zero, como Itaim Bibi, Moema, Lapa, Vila Guilherme, Consolação e Marsilac. Os dados são de 2015.

Esse é um dos índices que mais influenciam a média de idade ao morrer dos moradores em cada região. Na Vila Matilde, essa média é de 70,8 anos; no Brás, cai para 66,6 anos.

As diferenças gritantes entre os bairros paulistanos estão no Mapa da Desigualdade 2017, estudo lançado nesta terça-feira (24) pela Rede Nossa São Paulo, organização da sociedade civil. A grande maioria dos dados é de 2016 e foi fornecida por órgãos municipais.

O levantamento leva em conta a desigualdade no acesso a serviços públicos e qualidade de vida entre os 96 distritos da cidade, por meio de 38 indicadores de diversas áreas, como cultura, educação, saúde e violência.

Apesar de poder haver uma distorção por causa da população flutuante no Brás (com poucos moradores de fato), para Américo Sampaio, gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo, faz sentido que o distrito seja o pior nas taxas de violência.

"O Brás é a periferia do centro. É uma região bastante perigosa e com grande deficit de serviços públicos. Tem muitos cortiços e favelas próximas, além da questão da migração", afirma. "É um distrito marcado pelo tráfico de drogas, próximo de entrepostos comerciais, da marginal, do trem, de terminal de ônibus."

No índice de idade ao morrer, o pior é o Jardim Ângela, bairro periférico da zona sul (com a 8ª maior taxa de homicídio juvenil), e o melhor é o Jardim Paulista, região nobre na zona oeste (com taxa zero de assassinato de jovens). Os habitantes do distrito mais rico morrem em média com 79,4 anos, enquanto no distrito mais pobre esse número despenca para 55,7 anos –uma diferença de 24 anos de vida.

Para se ter uma ideia, a melhor taxa da cidade é comparável à expectativa de vida da Dinamarca, e a pior, à da Nigéria, que tem um dos indicadores mais baixos do mundo, segundo a CIA (agência de inteligência americana) –embora a metodologia para calcular a expectativa de vida seja diferente da usada em São Paulo.

"Se fossem três ou cinco anos de vida, você poderia até pensar que é uma variação normal, mas 24 anos não é uma diferença nada aceitável. É uma geração inteira", diz Sampaio, que acompanha a realização do estudo anualmente, desde o seu início, em 2012.

Segundo o levantamento, esse indicador também tem relação com fatores como taxa de homicídios em geral, mortalidade infantil e óbitos por câncer. "Um dos grandes achados da pesquisa é mostrar, por A+B, que quanto mais acesso à cidade, mais as pessoas vivem", diz. "Isso reforça a importância que os governos e as políticas públicas têm na vida delas."

Desigualdades em SP - mapa da média da idade ao morrer

O abismo que separa os bairros ricos dos pobres variou pouco desde o ano passado, quando o indicador de idade ao morrer foi medido pela primeira vez.

Alto de Pinheiros (zona oeste), que tinha o melhor índice, registrava uma idade média de óbito aos 79,67 anos, enquanto em Cidade Tiradentes (leste) esse número era de 53,85 –uma discrepância, portanto, de pouco mais de 25 anos.

"Tem um movimento que é a perpetuação da desigualdade, você só está trocando os distritos pobres e ricos, mas a desigualdade continua a mesma", afirma Sampaio.

O maior objetivo do levantamento, diz ele, é mostrar que, apesar de ser a cidade mais rica da América Latina, São Paulo é extremamente desigual. "Mesmo tendo essa riqueza, ela não consegue distribui-la igualmente para os seus moradores."

RANKING DO TEMPO DE VIDA - Idade média ao morrer por distrito

Abaixo, veja outros oito dados da pesquisa que demonstram as disparidades que existem na capital paulista.

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1. Bairros com 'menor tempo' de vida têm maior taxa de homicídios

Treze dos 20 distritos com menor média de idade ao morrer também estão entre os 20 distritos com maiores taxas de homicídio, o que demonstra uma relação entre os dois índices.

OS 20 PIORES - Em vermelho, os 13 distritos que estão entre os 20 piores nos dois indicadores

OS 20 COM MAIOR TAXA DE HOMICÍDIOS* - Em vermelho, os 13 que aparecem também entre os com menor idade ao morrer

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2. Só 11 bairros da capital não têm favelas

Desde 2013, o número de distritos sem comunidades é o mesmo. Como mostra o gráfico abaixo, um terço dos bairros tem mais de 10% de seus domicílios em áreas de favelas.

FAVELAS NOS BAIRROS - Número de distritos, por porcentagem de casas que ficam em favelas

Desigualdades em sp - % de domicílios que ficam em favelas

3. Morador do Campo Belo ganha quase 8 vezes mais que o de Marsilac

OS 10 MELHORES SALÁRIOS - Remuneração média no emprego formal, em reais (2015)

E OS 10 PIORES -

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4. Mais da metade dos bairros não têm cinema, museu, casa de cultura ou local para show

BAIRROS 'SEM CULTURA' - % de distritos sem nenhum equipamento cultural

5. Centro é foco de mortes por Aids

Os seis distritos com maior taxa de óbitos decorrentes da doença sexualmente transmissível ficam na região central da cidade: República, Pari, Brás, Sé, Bela Vista e Santa Cecília.

6. Morador da Vila Andrade leva 17 vezes mais dias para conseguir vaga em creche

OS 10 MELHORES DISTRITOS - Tempo de atendimento para vaga em creche, em dias*

OS 10 PIORES -

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7. Cultura é o tema com maior desigualdade na cidade

Sete dos 10 indicadores com maiores índices de desigualdade são da área de cultura. O estudo considera como "desigualtômetro" a diferença entre o pior indicador da cidade e o melhor. Por exemplo: o número de livros infanto-juvenis disponíveis em bibliotecas municipais por criança –indicador que tem a maior taxa de desigualdade medida pelo levantamento– é 2.575 vezes maior na Consolação (5,3) do que no Capão Redondo (0,002). Isso sem considerar os distritos em que o índice é zero.

10 INDICADORES MAIS DESIGUAIS - Índice de desigualdade por indicador

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8. Brás, Marsilac e São Rafael são considerados os piores distritos

O Campo Belo –considerado um bairro rico– também aparece como um dos cinco piores. Para Américo Sampaio, da Rede Nossa São Paulo, faz sentido: "Isso mostra exatamente o que queremos, a desigualdade na oferta de serviços públicos. No Campo Belo majoritariamente não tem essa oferta, porque a população é mais rica e usa escolas particulares, hospitais particulares etc."

OS 12 PIORES - Número de vezes em que o distrito aparece entre os 30 piores nos 38 indicadores


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