Folha de S. Paulo


Indenização a atingidos por lama trava 2 anos depois da tragédia de Mariana

Avener Prado - 6.out.2017/Folhapress
SÃO MATEUS, ES, BRASIL, 06-10-2017: Claudinei Campelo da Silva Xavier, 15 anos, em manguezal atingido pela lama de rejeito de minério na comunidade Campo Grande. Maior tragédia ambiental do Brasil. Reportagem da Folha refez a rota atingida pela lama, de Mariana (MG) à praia de Regência, em Linhares (ES) dois anos depois do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Claudinei Campelo da Silva Xavier, 15, em manguezal atingido pela lama em São Mateus (ES)

Os participantes começam a dar sinais de cansaço após duas horas de reunião da Comissão dos Atingidos de Bento Rodrigues, vilarejo a 23 km do centro de Mariana (MG) destruído pela lama da mineradora Samarco. Já passava das 20h30 de uma segunda-feira, e Cristiano Sales, 35, reclamava que tinha que acordar cedo no dia seguinte.

"Toda semana tem várias reuniões. Já vai fazer dois anos e é isso aí. Nossa vida agora é trabalho e reunião."

Motorista de ônibus que teve a casa destruída pela lama, ele entra no serviço às 4h30. Sai às 14h, passa em casa, toma banho e quase já é hora da reunião, às 18h30. Além desse encontro todas as segundas-feiras, há outros ao longo da semana para tratar de demandas específicas.

As reuniões ocorrem em uma casa alugada pela Fundação Renova, entidade criada e bancada pela Samarco e suas donas (Vale e BHP Billiton) para reparar a tragédia ambiental que completa dois anos no próximo dia 5.

"É cansativo demais. Mas a gente não pode perder a luta", completa o motorista.

Ao longo dos 650 km que o rejeito percorreu até desaguar no mar do Espírito Santo, atingidos se mobilizam para cobrar direitos à renda, à moradia, à água e a indenizações.

Em março de 2016, as mineradoras fizeram acordo com o governo federal e dos Estados de ES e MG que deu diretrizes para ações de reparação.

Mas o acordo não foi homologado pela Justiça e sofre questionamentos do Ministério Público Federal sobre a falta de participação da sociedade nas decisões da Renova.

ESPERA

Até hoje, atingidos já reconhecidos como tal aguardam o recebimento do cartão de auxílio emergencial, no valor de um salário-mínimo e uma cesta básica.

É o caso das comunidades de pescadores e catadores de mariscos de São Mateus (ES).

O local foi o último a ser afetado pela lama, que provocou mortes de peixes e crustáceos. Moradores dizem ter problemas de saúde devido aos rejeitos. Eles só foram reconhecidos mais de um ano depois, em abril de 2017.

"Tá vendo tudo morto? Não era assim antes da lama", diz Claudinei Campelo da Silva, 15, filho de marisqueiros, enquanto conduz a reportagem pelo manguezal da região.

Em seus cadastros para recebimento de indenização, foram classificados como "lavadores de roupa". "Eu sou pescador há 22 anos e eles me põem como lavador de roupa? Por que isso? Para reduzir a nossa posição?", indaga Nilton Tomás Borges, 45. A Renova disse que havia um erro no cadastro, que foi corrigido.

Nas maiores cidades atingidas, como Colatina (ES) e Governador Valadares (MG), onde houve mais de 50 mil ações por danos morais contra a Samarco, os casos ainda estão sendo resolvidos.

A técnica de enfermagem Ester Aparecida Silva, 54, pediu R$ 10 mil na Justiça e não foi atendida. Já seu vizinho, o padeiro Anderson Moreira, 26, ganhou R$ 1.000 sob a condição de não entrar com processo contra a empresa.

Segundo a fundação, foram criados postos de conciliação na cidade para resolver as pendências jurídicas.

FUTURO DOS ATINGIDOSFamílias ainda lutam por indenizações e auxílio financeiro

PRESSÃO

Em Mariana, ao contrário de outras cidades da Bacia do Rio Doce, não houve pulverização de processos. Há 18 ações coletivas (12 contra a Samarco) movidas pelo Ministério Público.

O rigor de reuniões quase diárias é para que a pressão coletiva funcione. "Eles vivem em função de reconstruir a vida. Por isso, propomos que esse tempo útil em reuniões e esse desgaste também seja indenizado", diz o promotor Guilherme Meneghin.

As reuniões tratam basicamente do cadastramento dos atingidos e da reconstrução de suas vilas –ambos os processos, de responsabilidade da Renova, sofreram reviravoltas neste ano.

O Ministério Público apontou que havia palavras de difícil compreensão e nem todas as profissões estavam contempladas. O cadastro é necessário para avaliar as perdas de cada um e estipular uma indenização final. Até hoje as partes não chegaram a um consenso sobre a questão.

Mesmo nas outras cidades, onde o cadastro vem sendo utilizado, deve haver revisão por entidades como Fundo Brasil e Fundação Getúlio Vargas. Foram 23.274 cadastros aplicados e 19.266 aprovados pelo órgão que fiscaliza a Renova, formado pelos governos estaduais e federal.

Outro entrave na região é a construção, em novos locais, dos três distritos rurais destruídos: Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e Gesteira, em Barra Longa (a 60 km).

O acordo com a União dá prazo até março de 2019. Em Paracatu e Gesteira, a Renova sequer concluiu a compra dos novos terrenos escolhidos pela comunidade.

Mariana: Medo e depressão marcam dois anos da tragédia

Já em Bento Rodrigues, um projeto urbanístico chegou a ser aprovado pelos moradores, mas terá que ser refeito.

A Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais viu problemas na declividade do local. O órgão é responsável por conceder a licença ambiental para as obras.

A fundação também precisa registrar o terreno em cartório, o que depende da anuência dos vizinhos e demora. Há ainda a necessidade de uma lei municipal para qualificar a nova vila como espaço urbano. A Renova informa que busca alternativas para agilizar o registro do terreno e o licenciamento ambiental.

Em relação a São Mateus, o presidente da Renova, Roberto Waack, disse que a fundação reconhece que o desastre provocou "efeitos que não são evidentes e diretos e que eles precisam ser incorporados nos escopos de ações da fundação".

"A forma como a gente está tratando esses efeitos são reconhecê-los. Toda a compensação de auxílio emergencial e indenização vai entrar no processo da compensação", diz. Segundo ele, também se discute aumento da participação da sociedade civil nas decisões da Renova.

Ele afirma que a fundação tem tentado acelerar o processo de pagamento das indenizações.

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FUTURO DOS ATINGIDOSFamílias ainda lutam por indenizações e auxílio financeiro

Etapas do processo

5.nov.2015
Barragem de Fundão se rompe

23.fev.2016
Polícia Civil de MG conclui inquérito

20.out.2016
Polícia Federal conclui inquérito

20.out.2016
Ministério Público Federal denuncia 22 pessoas, a Samarco, a Vale, a BHP e a VogBr

18.nov.2016
Justiça aceita denúncia; ação tramita em Ponte Nova (MG)

4.jul.2017
Juiz suspende processo para apurar se escutas telefônicas usadas como prova ultrapassaram período autorizado pela Justiça

Próximos passos
Processo pode ser anulado ou continuar a tramitar. Réus podem ser levados ao tribunal do júri

Defesa
Samarco afirma que processo deve ser anulado e que não houve dolo; Vale diz que operação da barragem era exclusiva da Samarco. Executivos negam que haja provas contra eles

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Chamada depois da lama

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