Folha de S. Paulo


Sob comoção, enterro de meninas tem gritos de alívio por prisão de suspeitos

Joel Silva/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL- 20-10-2017 : Enterro das duas meninas de três anos que foram achadas mortas no dia 12 dentro de uma Fiorino. O IML liberou os corpos de Beatriz Moreira dos Santos e Adrielly Mel Severo Porto. ( Foto: Joel Silva/Folhapress ) ***COTIDIANO*** ( ***EXCLUSIVO FOLHA***)
Enterro das duas meninas de três anos que foram achadas mortas dentro de um carro

Dezenas de pessoas se reuniam na porta da capela, à espera do cortejo fúnebre das meninas Mel e Bia, quando chegou a notícia de que dois suspeitos do crime tinham sido presos.

Adrielly Mel Severo Porto, conhecida como Mel, e Beatriz Moreira dos Santos, a Bia, ambas de três anos, estavam desaparecidas desde 24 de setembro e foram encontradas mortas dentro de uma picape na zona leste de São Paulo, em 12 de outubro.

O pai da Mel, o motorista Alan Porto, 42, foi um dos primeiros a saber da prisão. Ele levantou os braços e se dirigiu ao aglomerado de parentes, amigos e curiosos, que acompanhava o enterro com cartazes, flores e fotos das meninas. "Aleluia! Glória a Deus! Foram presos!", anunciou.

Houve comoção, gritaria, e dezenas de pessoas pediram, em coro, por "Justiça" e "pena de morte". "Eu vou ficar aliviado quando a Justiça for feita, por enquanto eles só estão presos. São monstros", desabafou Alan.

O enterro foi realizado nesta sexta-feira (20) no cemitério da Saudade, em São Miguel Paulista (zona leste). Os caixões estavam lacrados, porque os corpos estavam em estado avançado de decomposição.

"A gente não pôde nem abrir o caixão, não pude nem olhar o rosto da minha filha, beijar e abraçar uma última vez, fiquei abraçando uma foto. Isso é justo para uma mãe? Não é justo para ser humano nenhum", disse a mãe da Mel, a dona de casa Adriana Severo de Jesus, 28, aos prantos.

Ela reclamou da atuação da polícia no caso. "Achavam que éramos suspeitos. Entraram na minha casa, com cachorros, quando eu estava com hemorragia, e humilharam meu marido", disse ela, que estava grávida de gêmeos e sofreu um aborto nas últimas semanas. "Eu não perdi só a Mel. Me tiraram três filhos de uma vez só."

Segundo a Secretaria da Segurança Pública, a Corregedoria da Polícia Civil apurará eventuais denúncias contra a conduta dos polícias, caso a família registre ocorrência.

Sobre a prisão dos suspeitos, Alan afirmou que um deles costumava frequentar a casa da família. "Ele estava sempre lá em casa, mesmo depois das meninas desaparecerem", afirmou.

Um tio da Bia, que morava com a menina, deu o mesmo relato. "Ele [um dos suspeitos] morava do nosso lado, a gente dava comida para ele e tudo. As nossas famílias se davam bem. Ele usava droga, mas a gente não ia suspeitar nunca, não desconfiamos de nada. Mesmo depois que elas desapareceram, ele falava para nós: 'Deus vai fazer Justiça e vai ajudar a encontrar'. Ele vinha para nos confortar", contou Thiago Henrique Moreira dos Santos, de 27 anos.

Os parentes de Bia também afirmaram que o pai da menina, preso por tráfico, teria sido impedido de participar do enterro. "Foi uma injustiça. O pai queria ver a filha uma última vez e não deixaram entrar. Senti muita dor, tristeza", disse a dona de casa Jennister da Cruz, 26, mãe da Bia.

Ao longo do enterro, a família gritou diversas vezes "cadê o pai?", em protesto. "Acho que ele deve estar sofrendo muito. Ele chegou a vir aqui, na viatura, mas não deixaram entrar, porque tinha muita gente", lamentou o avô de Bia, Ivan Moreira dos Santos, 50.

O estudante Carlos Alberto Pereira, 19, vizinho e amigo da família da Mel, disse que as famílias receberam muitas críticas. "As pessoas condenaram a mãe da Mel, dizendo que ela deixou as crianças largadas. O único lugar que elas têm para brincar é na frente da casa. Ela mora em um barraco de madeira de um cômodo só", disse, muito emocionado.

Assim como Carlos, sua irmã conhecia bem a menina. "A Mel era a alegria de todos nós, vizinhos. Era doce, alegre, faladora, ficava feliz com alguns brinquedos doados", disse a faxineira Tabata Pereira, 23.

A mãe, Adriana, diz que a menina adorava tomar banho e "se arrumar". "Podia ser banho gelado, ela não estava nem aí. Depois gostava de se olhar no espelho e sacudir a cabeleira. Falava: 'mamãe, olha como eu estou linda, não estou uma princesa?'", conta.

Thiago também lembra da sobrinha, a Bia, como "brincalhona". As duas meninas andavam juntas para cima e para baixo no bairro. "A gente dava muita risada. A Mel conhecia todo mundo e levava a Bia", diz.

As meninas foram enterradas lado a lado, em um local conhecido como quadra dos anjinhos, por reunir muitas crianças. A mãe de Mel, Adriana, viu nisso uma pequena consolação: "Elas viviam juntas e foram embora juntas".

PRISÃO

A Polícia Civil de SP prendeu nesta sexta-feira (20) dois homens suspeitos pela morte das duas meninas, encontradas no compartimento de carga de uma picape no último dia 12, na favela Jardim Lapena, em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. Um deles confessou o crime, segundo a polícia, e teria delatado o segundo suspeito.

Segundo o DHPP (Departamento Estadual de Homicídio e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, os dois suspeitos são os mesmos homens que haviam sido identificados por moradores do bairro como suspeitos do crime. Os dois chegaram a ser torturados por traficantes. Agora, após a divulgação do resultado de exames feitos pelo IML, a polícia efetuou a prisão temporária de Marcelo de Souza e de Everaldo Santos.

O CRIME

Os corpos das crianças foram localizados no dia 12, quando moradores comemoravam o Dia das Crianças com um almoço. Um homem resolveu averiguar um cheiro forte vindo de um terreno, onde uma pick-up Fiorino estava escondida havia pelo menos dois meses, conforme relato dos vizinhos. O veículo havia sido roubado neste ano.

Quando localizados, os corpos já estavam em avançado estado de decomposição. As famílias reconheceram inicialmente parte das roupas encontradas, e a confirmação veio nesta semana com os exames de DNA.

As duas meninas estavam caídas de barriga para cima no compartimento de carga, que é fechado. Uma das vítimas vestia apenas uma calça azul, e a outra, um vestido branco. A perícia achou no interior do veículo alguns objetos, entre eles um rádio comunicador e uma touca preta.

Elas moravam a cerca de cem metros do local onde o carro foi achado: um pequeno terreno com cerca de três metros de frente, fincado entre um aglomerado de casas na favela, a 30 km do centro de São Paulo. Uma semana antes de elas serem encontradas, segundo vizinhos, policiais estiveram na região com cães farejadores, mas eles foram para outra parte da favela.


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