Folha de S. Paulo


Apuração sobre desvio de verba na PM de SP envolve 200 quebras de sigilos

A Polícia Civil de São Paulo deve pedir nesta semana um total de 200 quebras de sigilo bancário e fiscal entre pessoas e empresas suspeitas de participação em esquema de desvio de verbas em licitações no comando da PM.

Esse esquema, revelado pela Folha em 2015, era comandado pelo tenente-coronel José Afonso Adriano Filho, ex-chefe do setor de licitações do comando-geral da Polícia Militar, e pode ter desviado dos cofres públicos R$ 200 milhões, entre 2005 e 2012. Adriano, como é conhecido, está preso desde março deste ano.

Apu Gomes - 4.jul.2011/Folhapress
SO PAULO, SP, BRASIL, 04-07-2011, 09h00: ASSALTO COM REFEM. Policial Militar conta dinheiro recuperado de assalto em uma casa na Rua Aparecida, 32, no Canind, em So Paulo, invadida por 3 assaltantes que fizeram cinco pessoas refns, entre elas um beb. A policia foi chamada e invadiu a residncia. Uma mulher ficou ferida levemente e o bandidos foram encaminhados para o 12DP. (Foto: Apu Gomes/Folhapress, Cotidiano ) *** EXCLUSIVO***
Verba teria sido desviada em esquema que fraudava licitações para empresas fantasma

A quantidade de quebras de sigilo faz desta uma das maiores investigações da Polícia Civil contra empresas suspeitas de pagamento de propina a agentes públicos, similar à Máfia do ISS, em 2013, quando cerca de 40 empresas foram investigadas.

Agora, estão na mira dos policiais do DPPC (Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania) 51 empresas, de diferentes segmentos e tamanhos, e seus 139 sócios, contratados pelo comando-geral da PM de 2005 a 2013 –período que abrange gestões Geraldo Alckmin, Cláudio Lembo, José Serra e Alberto Goldman.

Além dos empresários, a ex-mulher e dois filhos do tenente-coronel Adriano também devem ter os sigilos quebrados sob a suspeita de lavagem de dinheiro, já que parte dos imóveis comprados pelo oficial com dinheiro supostamente desviado está em nome desses parentes.

Os familiares de Adriano, assim como os empresários, são investigados também por suspeita de formação de quadrilha e fraude em licitação. Esses crimes, em caso de condenação, podem levar os suspeitos à cadeia.

Para policiais ouvidos pela Folha, esse pode ser um dos motivos que levaram Adriano a buscar acordo (ainda não concretizado) de delação premiada com a Promotoria.

Esse inquérito inclui PMs supostamente envolvidos com Adriano. As suspeitas contra praças e oficiais estão sendo apuradas pela Corregedoria e tramitam na Justiça Militar.

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Como funcionava o esquema, segundo investigações

Como funcionava o esquema, segundo investigações

Exemplos de compras fraudulentas

- R$ 1,7 milhão em peças para frota de veículos "fantasma"
- R$ 65 mil para reforma de um lago de carpas e outras obras
- 9.700 kg de açúcar em 3 meses e 23.300 pacotes de biscoito em 5 meses
- R$ 112 mil em pen drives e R$ 73 mil em clipes para papel

R$ 200 milhões é o valor estimado que teria sido desviado pelo esquema entre 2005 e 2013

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CORREGEDORIA

A investigação contra o chefe do setor de licitações do comando da PM começou em fevereiro de 2012, após denúncia anônima, e terminou em agosto de 2014.

O relatório pedia, porém, só a punição de Adriano e sem ouvir pelo menos 12 oficiais da corporação que poderiam, em tese, ter informações. A sindicância também se limitou a tratar de irregularidades entre 2009 e 2010.

A série de reportagens da Folha apontou, porém, indícios de que os desvios começaram em 2005 e se estenderam até 2012, ano em que Adriano se aposentou. Também revelou ao menos quatro empresas fantasmas usadas por Adriano no esquema de fraudes, entre elas a Construworld Materiais para Construção.

Ainda em 2015, por determinação do então secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, a Corregedoria reabriu as investigações.

Ouvido pela PM, Márcio Luiz dos Santos, proprietário da Construworld nos registros oficiais, confirmou a participação em fraudes que envolvem mais de R$ 7 milhões. Disse que prestava pequenos serviços para o comando da PM desde 2005 e, por enfrentar problemas financeiros, decidiu vender a empresa para Adriano por R$ 5.000.

Reynaldo Turollo Jr. - 16.jun.2015/Folhapress
Endereço da empresa Construworld, acusada de licitações fraudulentas na PM paulista
Endereço da empresa Construworld, acusada de licitações fraudulentas na PM paulista

A venda ocorreu, porém, apenas verbalmente. Para continuar sendo o "testa de ferro" da Construworld, passaria a receber uma "ajuda" mensal de R$ 3.500. Santos disse ainda que a verba desviada dos cofres públicos era devolvida em dinheiro vivo para Adriano ou em cheques em branco em nome da empresa, assinados por uma sócia.

O Ministério Público denunciou Adriano, e um PM subordinado, pelos desvios feitos com essa empresa. Além da Construworld, há indícios de que o tenente-coronel também seja o sócio oculto de outra empresa investigada.

A Folha também revelou que, em 2012, pouco antes de se aposentar, Adriano pagou seis meses adiantados de condomínio de quatro imóveis dele com cheque de R$ 14.320 da empresa Comercial das Províncias. Procurado, o advogado dele, Luiz Antonio Nunes Filho, não se manifestou até o fechamento desta edição.

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Cronologia do caso

Fev.2012
Após denúncia anônima, Corregedoria da PM começa investigação sobre fraudes em licitações ocorridas em 2009 e 2010

Out.2012
Tenente-coronel José Afonso Adriano Filho, apontado como operador do esquema, se aposenta

Ago.2014
Corregedoria termina investigação, atribuindo toda a responsabilidade ao operador, e envia relatório ao Ministério Público e ao TCE

Jun.2015
Série de reportagens da Folha mostra que investigação estava incompleta e que fraudes ocorreram pelo menos de 2005 a 2012; Corregedoria da PM e TCE retomam e ampliam as apurações

Mar.2017
Ex-tenente-coronel é preso preventivamente

Abr.2017
Ministério Público o denuncia à Justiça Militar

Mai.2017
Para tentar negociar delação premiada, ele manda carta ao Ministério Público citando 18 oficiais da PM que saberiam de esquemas

Out.2017
Polícia Civil, que também entrou nas investigações, pedirá a quebra de sigilo de empresas e pessoas suspeitas

Fontes: Tribunal de Justiça Militar, Tribunal de Justiça de SP, Polícia Civil e sindicância da PM


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