Folha de S. Paulo


Entenda a polêmica sobre o granulado de farinha proposto por Doria em SP

"Este é um produto abençoado", disse o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), no último dia (8) antes de degustar o "granulado alimentar" –espécie de biscoito feito à base de alimentos que estão perto da data de validade.

Anunciado pelo tucano como uma medida que visa erradicar a fome em São Paulo e no país com apoio da Igreja Católica, o produto foi alvo de uma série de críticas de nutricionistas e chefes de cozinha, ganhando inclusive o apelido de "ração humana".

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Abaixo, entenda o que é esse granulado alimentar, a polêmica em torno dele e os argumentos contra e a favor da iniciativa.

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1. O que é a farinata?
Uma espécie de farinha feita a partir de vários alimentos (frutas e legumes, por exemplo) que estão perto da validade e seriam incinerados por produtores e supermercados. O objetivo é combater a desnutrição.

2. O que é o granulado alimentar?
Um produto feito à base da farinata. Essa farinha também pode ser adicionada a bolos e pães ou ser usada como ingrediente para "reforçar" sopas, já que teria boa quantidade de carboidratos e proteínas.

3. Qual foi o projeto anunciado por Doria?
Trata-se de um programa para combater o desperdício de alimentos e erradicar a fome. O texto, do vereador Gilberto Natalini (PV), foi apresentado ainda na gestão de Fernando Haddad (PT) e aprovado em setembro na Câmara Municipal.

4. A farinata faz parte do projeto municipal aprovado?
Apenas indiretamente. O projeto de lei menciona a "implantação de unidades de beneficiamento ou de processamento de alimentos em regiões em que se verifique destinação inadequada de volumes significativos de alimentos", mas não trata especificamente da farinata, de sua composição ou de seu uso.

5. Essa farinha pode ser usada na merenda só com aval de Doria?
Não. A Codae (Coordenadoria de Alimentação Escolar), da Secretaria Municipal de Educação, é responsável pelo planejamento, execução e o controle das atividades relativas ao abastecimento de gêneros alimentícios, assim como pela definição dos cardápios oferecidos na merenda. Resolução federal no âmbito do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) ainda estipula que a introdução de novos alimentos na merenda, com exceção de frutas e hortaliças, seja precedida por teste de aceitabilidade por parte dos alunos. O teste é realizado pela Codae, que analisa a pertinência dos alimentos com relação ao balanceamento nutricional.

6. E o granulado faz parte do projeto municipal?
Apenas de maneira indireta, como a farinata. O produto foi mostrado pelo prefeito em 8 de outubro apenas como exemplo durante evento para sanção da lei. Doria o apresentou dentro de uma embalagem com uma imagem de Nossa Senhora e o chamou de "abençoado".

7. Por que Doria apresentou o granulado se ele não faz parte do projeto?
A Plataforma Sinergia, organização sem fins lucrativos que fabrica o granulado, estava no evento e entregou uma amostra a Doria. Sem saber detalhes do produto, o prefeito fez um vídeo o promovendo.

8. Como seria a distribuição desses produtos pela prefeitura?
O modelo de distribuição para as escolas e seu cronograma não foram definidos. Doria afirmou apenas que a rede municipal receberia a farinata em outubro, de forma complementar. A secretária de Direitos Humanos, Eloísa Arruda, disse que a farinha deve ser usada como matéria-prima para bolos, macarrão, entre outros.
Segundo a gestão, o granulado seria distribuído sem custos, a partir de outubro, por entidades cadastradas -como igrejas, templos e sociedade civil- e pela própria prefeitura. A secretária também diz que regiões em que os alimentos in natura não chegam facilmente (que ela chamou de "desertos alimentares") em São Paulo também seriam contemplados -mas esses locais ainda não foram especificados.

9. Quem forneceria a matéria-prima usada na farinata e no granulado?
Os alimentos seriam doados por produtores, supermercados e até pessoas físicas, que seriam tratados pela Sinergia de forma ainda não especificada: por meio de usinas transportadas em carretas, ou por meio de licenciamento da produção para outras empresas

10. Qual é a relação desses produtos com a Igreja Católica?
A Arquidiocese de São Paulo apoia o uso da farinata no combate à fome desde 2013, quando dom Odilo Scherer a recomendou ao Papa Francisco por meio de carta. Nesta quarta-feira (18), o arcebispo disse que fica "ofendido" ao ouvir comparações da farinata a ração. "Não politizem a fome do pobre. Desprezar o pobre é não dar alimento a ele", disse.

11. Por que alguns nutricionistas e chefes de cozinha são contra a ideia?
Eles argumentam que a alimentação é um ritual que inclui saborear o alimento, preferencialmente in natura. Outra preocupação é o fato de a farinha ser feita à base de produtos próximos do vencimento. Nutricionistas que criaram o produto afirmam que ele pode ser um complemento de combate à fome em situação emergencial.

12. Produtos semelhantes à farinata já foram usados antes no país para o combate à fome?
Sim. Zilda Arns, médica sanitarista e fundadora da Pastoral da Criança, defendia um produto chamado multimistura, composto por farelo de arroz, trigo e pó de sementes. Apesar de ter sido divulgada como modelo nos anos 70 e 80, hoje a prática é desaconselhada pelos conselhos de nutrição por causa dos riscos relacionados a higiene e toxicidade.


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