Folha de S. Paulo


Plano de R$ 74 bi busca evitar Nova York submersa em desastre natural

Richard Drew - 30.out.2012/Associated Press
ORG XMIT: NYRD102 Cars are submerged at the entrance to a parking garage in New York's Financial District in the aftermath of superstorm Sandy, Tuesday, Oct. 30, 2012. New York City awakened Tuesday to a flooded subway system, shuttered financial markets and hundreds of thousands of people without power a day after a wall of seawater and high winds slammed into the city, destroying buildings and flooding tunnels. (AP Photo/Richard Drew)
Carros arrastados por alagamento em estacionamento no sul de Manhattan, na passagem do Sandy

Num calor atípico para os primeiros dias do outono, uma brisa suave sopra entre as árvores de um parque no extremo sul de Manhattan, a poucas quadras das torres de concreto e vidro de Wall Street, coração financeiro do planeta. Mas os nova-iorquinos sabem que o tempo engana.

"Foi dramática a destruição. Isso aqui ficou debaixo de quatro metros de água", lembra Jordan Salinger. O rapaz de terno, um dos responsáveis pelos esforços de prevenção a desastres naturais da prefeitura da maior metrópole americana, tem lembranças vivíssimas do Sandy.

"Ninguém esquece aquelas imagens icônicas da cidade toda apagada", diz ele, sobre o furacão que arrasou partes de Nova York há cinco anos, matando 48 pessoas e causando dezenas de bilhões de dólares em prejuízos.

Nas telas de TV e capas de jornal, imagens das recentes tempestades Harvey, Irma e Maria, que golpearam o sul dos Estados Unidos e o Caribe nas últimas semanas, refrescam essas memórias. E o fato de serem bem mais devastadoras que o Sandy acelera os planos de Manhattan.

Um cordão de intervenções urbanísticas ao longo do extremo sul da ilha começa em breve a sair do papel com a tentativa de blindar Nova York contra a fúria do clima.

"É urgente", diz Salinger. "Quando vemos o que aconteceu com Houston, com Porto Rico, a gente entende bem esse sentido de urgência."

O governo do democrata Bill de Blasio, prefeito de Nova York candidato à reeleição no mês que vem, também entende e entregou o equivalente a R$ 74 bilhões nas mãos da equipe de prevenção de desastres para tirar do papel uma complexa estratégia contra os efeitos do aquecimento global em sua cidade.

Sua ambição é fazer da metrópole um laboratório de táticas contra furacões que também se tornam cada vez mais necessárias no mundo.

INTEMPÉRIES

Mas essa batalha não é uma queda de braço só com as intempéries. Também vai na contramão da Casa Branca de Donald Trump, que retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima e chama o revertério atmosférico de "embuste chinês".

"Não podemos contar com o governo federal. Mas o lado positivo é que isso gerou um grande debate", diz Dan Zarrilli, chefe das operações preventivas. "Estamos nos preparando para sobreviver ao próximo grande furacão."

Enquanto não há dúvida de que o nível do mar pode subir até um metro nas próximas três décadas, deixando o sul de Manhattan e partes do Brooklyn submersas, e de que as temperaturas estão em alta por causa da emissão desenfreada de gases de efeito estufa, arquitetos e urbanistas quebram a cabeça sobre como vão proteger a cidade.

'CLI-FI'

Livros de ficção científica no estilo apelidado aqui de "cli-fi", ou distopias calcadas em catástrofes climáticas, descrevem uma Nova York debaixo d'água, uma espécie de Veneza com arranha-céus. Na visão de uma série de urbanistas, não seria algo tão absurdo caso nada seja feito.

"Temos de pensar num equilíbrio entre proteção contra enchentes e o acesso à água", diz Michael Shaikh, um dos planejadores. "Não faz sentido construirmos uma parede ao longo da costa."

Outra consultora, Rachel Finkelstein, sabe que ninguém quer uma muralha no meio do rio, passando embaixo das pontes Manhattan e do Brooklyn. "Essa é a parte mais antiga, mais icônica da cidade", ela diz. "Por isso mesmo é muito complicado."

Entre os planos, por enquanto, está a criação de parques ao longo da costa, que tornariam o terreno mais poroso. Pequenos montes serviriam então como barreira mais discreta a inundações. Também estão sendo elaboradas paredes móveis, que poderiam ser acionadas só no momento das tempestades, e portões deslizantes, capazes de conter o avanço da água.

"Queremos algo menos dramático do ponto de vista do design urbano", diz Salinger. "Criamos aqui umas soluções paisagísticas que são mais discretas, compactas. Algumas soluções elegantes funcionam, outras não."

INVISÍVEIS

Enquanto não chegam a um consenso sobre essa elegância, mudanças invisíveis já foram implementadas. Debaixo dos pés dos nova-iorquinos, o metrô, que inundou durante o Sandy, ganhou proteções nos dutos de ar, que podem isolar os túneis subterrâneos em caso de furacão.

Houve ainda uma mudança estratégica na posição das casas de máquinas dos prédios. Estruturas de aquecimento e quadros de força nas grandes torres foram transferidos do porão para o telhado, evitando o perigo de curto-circuito em inundações.

Na tentativa de deixar só nos livros de história o épico apagão provocado pelo Sandy, também houve uma reforma da rede elétrica. Em vez de um único sistema que abastece o sul de Manhattan, existe agora uma malha de pequenos circuitos, que podem ser ligados ou desligados de modo independente.

"Estamos olhando bem para tudo isso para ter a certeza de construir uma cidade mais forte", afirma Zarrilli. "Os furacões são nossa maior ameaça. Não podemos mais levar pancadas como essas."

Editoria de Arte/Folhapress
PLANO CONTRA DESASTRESPrefeitura de Nova York faz mudanças para evitar inundação na ilha de Manhattan

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