Folha de S. Paulo


Saiba quem são os 'anjinhos' mortos no incêndio criminoso em creche

Arquivo Pessoal
Crianças mortas em incêndio em creche de Janaúna, norte de MG

Victor Hugo está calado. Com só quatro anos, "não sei se ele entende" o que está acontecendo, diz seu avô, Jovecino da Silva, 61. Por muito pouco, a criança não se somou às 50 vítimas do atentado em uma creche em Janaúba, no norte de Minas Gerais, provocado pelo vigia Damião Soares dos Santos, 50, que terminou com dez pessoas mortas.

Uma delas, a irmã gêmea de Victor Hugo, Ana Clara Ferreira Silva. Ela estava na creche quando o guarda ateou o fogo e morreu na hora. Victor Hugo também poderia estar lá, mas faltou à aula naquele dia, "por um problema na vista", diz o pai, Nelson Silva de Jesus.

Os gêmeos viviam brincando, diz o avô Jovecino, lavrador de Jacaré Grande, zona rural de Janaúba, que foi à cidade para se despedir da neta.

O outro avô, o materno, Antonio Pereira da Silva, 56, também lembra da menina da mesma forma. "Eu levava os meninos para a creche de vez em quando, era uma festa. Não sei mais como vai ser, se vão continuar lá. Por que traz muita lembrança, né?", diz ele, que interrompe a conversa com a reportagem para atender à filha, Luana Ferreira, que chorava, desconsolada, sobre o caixão: "não deixa meu anjo ir", pedia.

Nelson, pai das crianças, conta que estava em casa na manhã de quinta, a poucos quarteirões da creche, quando ouviu "uma barulheira, gente passando, depois sirene".

Foi à rua ver o que era a movimentação e viu a fumaça que saía da creche, "um negócio horrível", afirmou, em voz baixa, ainda na madrugada de quinta para sexta, poucas horas após a tragédia —no dia seguinte, no enterro, não conseguiu falar. Outros dois filhos do casal também estavam na creche, mas passam bem, segundo a família.

Na mesma tragédia estava Cecília, filha única de Adilson de Almeida Gonçalves, 25, que gostava tanto da creche que pedia para ir até nos fins de semana, conta o pai, que trabalha em uma distribuidora de bebidas. A menina passou os três primeiros anos de vida em Uberlândia e contava os dias para chegar as férias na fazenda dos avós em Janaúba.

Cecília lutou até onde pôde contra as queimaduras, que atingiram a parte de trás de seu corpo. Internada em Montes Claros, chegou a ser dada como morta, mas foi reanimada em seguida. Não resistiu e morreu de fato na sexta.

"Desde o incêndio, não a vimos acordada. Fomos visitá-la no hospital hoje e parecia que ela respirava melhor. A tarde, Deus a levou. Ele sabe o que faz", diz Adilson, que é evangélico.

Junto dela, chegou a Janaúba na noite desta sexta o corpo de Yasmin Medeiros Sabino, que teve 90% do corpo queimado e também era tratada em Montes Claros.

"Ela fazia tudo o que uma criança faz. Corria, brincava, apanhava, batia, respondia, atentava, conversava. Mas conversava!", diz Roberta Moreira, 37, prima da menina Yasmin, que foi criada sem pai, deixou mais silenciosa a rua onde vivia com os três irmãos mais velhos e a mãe.

Bicicleta e futebol eram os passatempos prediletos de Ruan Miguel Soares Silva, também de quatro anos —como todas as crianças que morreram—, conta Paulo Soares, 41, trabalhador rural e tio do menino. "Eu vinha brincar com ele sempre que podia, ele adorava", diz. Filho único, o menino vai deixar "um vazio, um silêncio na casa agora, vamos ver como vão fazer", diz Soares.

"A família é toda simples, somos trabalhadores rurais, a gente trabalha com o que tem. Todo mundo aqui, faz o que dá. Como pedreiro, na roça, ajudando os outros. Aí vem um negócio desses, o que a gente faz? Um anjinho desses, como podem fazer isso? Um psicopata...", desabafa Soares no velório do sobrinho, a segunda das vítimas enterradas no cemitério São Judas.

Quase xarás, Juan Pablo e Ruan Miguel eram amigos e costumavam brincar juntos, diz uma Gabriela Ferreira dos Santos, 32, que também mora na região e lembra ainda de outro homônimo, um ano mais velho que a dupla, internado em Montes Claros, com 30% do corpo queimado.

"De cabelo lisinho, sorriso no rosto, mas com cara séria às vezes, perguntando as coisas, uma gracinha", diz ela, se referindo a Juan Pablo.

Além deles, morreu também no atentado Luiz Davi Carlos Rodrigues, lembrado pela tia, a diarista Cristiane Rodrigues, 37, pela facilidade com que usava o celular dos mais velhos. "Pensar que nunca mais vai vou ver aquela criança, que fazia graça, mandava áudio no grupo do WhatsApp da família", diz ela.

"Tirava foto e pedia para colocar filtro, carinha de animal", completa uma prima. Parte da família veio da capital, Belo Horizonte, para participar do velório, que, como no caso das outras vítimas, também foi feito na casa do menino, no bairro Barbosa, próximo à creche. Além dos pais, Luiz deixou ainda um irmão mais velho.

No atentado, morreram ainda o menino Renan Nicolas dos Santos Silvas e a menina Talita Vitória Bispo, ambos de quatro anos.

Talita Vitória Bispo se tratava no hospital João XIII, em Belo Horizonte, quando não resistiu e morreu na manhã deste sábado (7). "Era um doce de menina, esperta, sabida", diz o avô, Geovani José de Barros, 66, caminhoneiro –a menina se divertia quando ele a levava para passear em seu caminhão, conta.

"A gente nunca espera que uma coisa dessas vai acontecer. Achei que ela estava melhor, mas aí, hoje, recebo essa notícia", diz. Os pais da menina, ajudante de pedreiro e dona de casa, estão na capital. A menina deixa ainda uma irmã.


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