Folha de S. Paulo


Doria anuncia projeto para o centro de SP e muda prazo durante entrevista

Divulgação/Jaime Lerner Arquitetos Associados
Projeto da prefeitura para o ônibus elétrico
Projeto da prefeitura para o ônibus elétrico que circulará no centro de São Paulo

O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta terça-feira (26) um projeto de intervenções no centro da cidade a longo prazo, envolvendo a construção de bulevares nas principais avenidas, a instalação de um ônibus circular elétrico pela região e a construção do que o prefeito chamou de "edifícios icônicos", construções com potencial para serem marcos na paisagem da capital.

A Prefeitura de São Paulo havia anunciado inicialmente um prazo de 12 anos para a finalização do projeto "Centro Novo". No entanto, após ouvir do arquiteto Jaime Lerner (ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná) durante entrevista coletiva que o prazo era longo, Doria decidiu mudar imediatamente para oito anos.

"Já falei aqui para o Bruno [Covas, vice-prefeito e secretário das Prefeituras Regionais] que adorei você dizer que quer acelerar. Então nós vamos acelerar. Já passei para o Bruno a orientação: vipt-vapt. Vamos fazer em oito anos o que estávamos planejando para fazer em doze. E dá para fazer. O Bruno engoliu seco, mas dá para fazer", disse Doria. "No planejamento original, a pedido do Bruno, estávamos trabalhando com o prazo de três gestões. Vamos reduzir para dois. E é possível porque tivemos notícia de melhoria da arrecadação. Com mais recurso também poderemos investir em programas de reurbanização física da área central da cidade. Mas não em obras, porque isso quem vai fazer é o setor privado", completou.

Segundo o prefeito, a implantação do projeto será custeada por meio de recursos da iniciativa privada, de fundos de investimento (BNDES, Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial), e da prefeitura. Cláudio Bernardes, presidente do conselho consultivo do Secovi-SP (sindicato do mercado imobiliário), órgão que ofereceu o projeto à prefeitura, estimou em R$ 300 milhões o custo para implantação dos bulevares nas principais avenidas da região (como Rio Branco e Duque de Caxias), e para efeito de comparação disse que um modal sobre trilhos custaria R$ 600 milhões, as obras prioritárias do projeto.

Sobre os ônibus que farão percurso circular no centro, Doria disse que estarão em funcionamento até 2020, o último ano de sua gestão.

"As duas linhas circulares vão contemplar pontos de interesse da cidade e privilegiar a conexão entre as estações de metrô, ônibus e trem", disse Sergio Avelleda, secretário de Transportes, que disse que a operação desse ser administrada por operadores privados a serem definidos a partir de licitação.

Em sentido horário, segundo planejamento da prefeitura, a linha circular deve ter 18 paradas em circuito de seis quilômetros: Sé, São Francisco, Teatro Municipal, Largo do Paissandu, Sampa, Vitória, Duque de Caxias, Rio Branco, Julio Prestes, Mauá, Luz, Poupatempo Luz, 25 de Março, Mercadão, Cantareira, Dom Pedro e Poupatempo Sé.

Divulgação/Jaime Lerner Arquitetos Associados
Rota projetada pela prefeitura para o ônibus circular do centro de São Paulo
Rota projetada pela prefeitura para o ônibus circular do centro de São Paulo

Em sentido anti-horário, a linha terá 19 paradas: Sé, Poupatempo Sé, Retortas, D. Pedro, Sesc, Mercadão, 25 de Março, Poupatempo Luz, Luz, Mauá, Julio Prestes, Princesa Isabel, Senai, Santa Cecília, Arouche, República, Biblioteca, João Mendes.

Sobre os bulevares, a ideia é a de mudar os parâmetros construtivos do centro, buscando investimentos para que a região seja adensada por meio da atração da classe média. Nesse sentido, além de trabalhos de melhoria das calçadas, arborização da região e iluminação, a prefeitura planeja alterações na lei de zoneamento para criar condições facilitadas para a chegada de investidores e a migração da classe média para o centro.

"Grande parte do que traz o projeto depende de alterações de leis. O melhor instrumento para se fazer isso é a alteração da Operação Urbana Centro. Isso porque grande parte da legislação regular de zoneamento do centro traz muitos imóveis tombados, muitas Zeis [Zonas Especiais de Interesse Social]. Isso tudo tem que ser tratado ao mesmo tempo para conseguirmos esse projeto de requalificação da área central", disse Heloisa Proença, secretária de Urbanismo e Licenciamento

Nesse sentido, por exemplo, são estudados o fim da fruição pública (espaços abertos para toda a comunidade, mas mantidos pelo dono do empreendimento) para hospitais e escolas, e o fim da obrigatoriedade de alargamento de calçadas para reformas e retrofits de edifícios no centro.

"Já temos uma porção de Zeis no centro, que colocam a primazia da habitação social popular. Mas não basta. A região central exige o retorno da população moradora. Exige a mistura de classes de renda. A ideia é a de ter instrumentos que facilitem e atraiam investimentos para classe de média renda e também alguns instrumentos que atraiam em outras localidades que não as Zeis, como os edifícios de uso misto, com atividades de serviço, comércio e moradia", completou Proença. "O desafio agora é atrair a classe de renda média."

Proença ainda disse que a prefeitura estuda permitir o aumento do limite máximo de altura de prédios em ruas menos movimentadas de São Paulo. Atualmente, o limite de 28 metros, que equivalem a oito andares, em regiões que estão fora dos eixos de transporte público.

"É uma das premissas da lei de zoneamento que estamos avaliando. Com muita cautela, com muito cuidado, mas partindo da cidade que já temos. Grande parte da cidade hoje, particularmente na região central, já supera esses índices e coeficientes. Não tem muito cabimento restringir aquilo que na prática está ultrapassado. Os gabaritos são muito maiores que isso."

DISPUTA POR ESPAÇO

À Folha, o arquiteto e urbanista Kazuo Nakano pondera que o projeto pode levar à expulsão das pessoas das classes baixas do centro.

"A classe de renda média já está mudando para o centro, morando em 'studios' de dez metros quadrados. A classe de renda baixa também está lá, só que em cortiços. Esse projeto pode gerar um processo de expulsão dos mais pobres do centro. O mercado dá conta da classe média. Cabe ao poder público corrigir a distorção e dar acesso aos mais pobres", analisou, acrescentando uma observação sobre a origem do projeto.

"É comum em prefeituras do interior, mas se o Secovi-SP doou o projeto à prefeitura é porque quer algo em troca ou porque o próprio projeto favorece os negócios deles, que são aqueles do mercado imobiliário. A prefeitura tem a obrigação de fazer ampla discussão pública para tratar disso, porque é assunto de interesse público, e não só do setor de incorporação imobiliária."

Divulgação/Jaime Lerner Arquitetos Associados
Projeto da prefeitura para bulevar na Avenida Rio Branco, no centro de SP
Projeto da prefeitura para bulevar na Avenida Rio Branco, no centro de SP

ARQUITETURA

Doria ainda destacou que deseja a construção de edifícios que causem impressão na paisagem de São Paulo. Segundo ele, a cidade não tem construções icônicas à altura de seus arquitetos e de sua história.

"É inacreditável como a terceira maior capital do mundo, a sétima maior cidade do planeta, não tem edifícios icônicos. Qual é o símbolo da cidade? Não tem. Tem a ponte estaiada [ponte Octavio Frias de Oliveira] e o Masp, um projeto da década de 1950, da Lina Bo Bardi, e ficamos aí. Não faz sentido São Paulo não ter uma simbologia arquitetônica à altura de seus arquitetos e de sua dimensão. Vamos ter edifícios icônicos, sim. São Paulo tem que pensar grande, é uma cidade global", finalizou o prefeito, que atualmente trava uma disputa interna no PSDB com o governador Geraldo Alckmin para a escolha do candidato do partido ao Palácio do Planalto.


Endereço da página:

Links no texto: