Folha de S. Paulo


Júri de Osasco rompe barreira ao condenar policiais por megachacina

A condenação de dois policiais militares e um guarda-civil apontados como autores da megachacina de Osasco e Barueri (Grande SP) surpreendeu o público presente no tribunal nesta sexta-feira (22). Ao longo da semana de julgamento, o promotor Marcelo de Oliveira, responsável pelo caso, falou da dificuldade de condenar policiais militares em tribunais do júri.

A hipótese é corroborada por especialistas em segurança pública ouvidos pela Folha. Dentre as razões apresentadas para uma suposta tendência à absolvição, estão o medo de possíveis retaliações e a conivência da população com crimes praticados por policiais militares.

"Eu já vi absolvições com a câmera filmando a execução, o policial não estava com máscara, não estava com luva, e foi absolvido. É claro que o medo é um fator que influencia ou que pode influenciar os jurados", disse Oliveira no primeiro dia do julgamento.

Aloisio Maurício/Fotoarena/Folhapress
Julgamento de três acusados de participar da chacina que deixou 17 pessoas mortas em 2015 em Osasco, região metropolitana de São Paulo.
Julgamento de três acusados da chacina que deixou 17 pessoas mortas em 2015 na Grande São Paulo

Durante as audiências, ele chegou a pedir aos jurados que não tivessem medo de decidir pela condenação. Há poucos dados disponíveis sobre o assunto e não há estatísticas atualizadas e compiladas. O Ministério Público afirmou que não acompanha sistematicamente esse tipo de julgamento.

O Tribunal de Justiça de São Paulo diz que levantar uma lista de julgamentos de policiais não corresponde à realidade porque o campo "profissão do réu" não é de preenchimento obrigatório em sistema interno de dados.

Para a socióloga Ariadne Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, há, por um lado, "um possível receio [dos jurados] de que, se o policial teve a capacidade de cometer aquele crime com alguém, poderá fazer algo contra ele também". Por outro lado, diz ela, há um respeito à instituição da Polícia Militar e uma confusão sobre a função do próprio conselho de sentença.

"O policial é diante da sociedade um profissional respeitado, que tem a incumbência de proteger. Há uma confusão entre um julgamento individual e institucional. Uma eventual condenação de um policial não significa condenar a instituição".

Ouvidor da Polícia de SP, Julio Cesar Fernandes Neves tem outra hipótese. "Quando se trata de crime cometido por policiais, muitos dos jurados pensam como os policiais. Acham que estão higienizando o Estado quando tiram o bandido da rua", diz.

Já para a professora Ludmila Ribeiro, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG, a condenação dos policiais não surpreende. "Havia uma grande pressão da opinião pública para que eles fossem condenados. Absolvê-los seria assumir um custo pela sociedade grande demais", diz.

Ela, que também reclama da falta de estatísticas sobre casos assim, analisou, em 2013, 786 processos em cinco cidades de todas as regiões do país –Belém, BH, Goiânia, Recife e Porto Alegre– e viu pouca diferença entre os casos que envolvem e os que não envolvem policiais.

Desses 786 casos, escolhidos de forma aleatória, 51 envolviam militares. Enquanto 23,5% dos policiais foram condenados, a taxa entre os processos que não envolviam policiais ficou em 30%. Ribeiro ressalva, no entanto, que os números não representam uma amostra estatística significante.

Desde 1996, homicídios dolosos (com intenção de matar) praticados por policiais militares vão a júri popular, ou seja, a condenação ou absolvição fica a cargo de pessoas comuns, em muitos casos leigas. Até então, esses crimes eram analisados pela Justiça Militar. Procurada, a Polícia Militar não se manifestou.

INCÔMODO

Episódios no julgamento da chacina expuseram incômodo dos jurados em relação à exposição. A pedido da defesa dos réus, a juíza Elia Bulman autorizou que o sargento da PM Adriano Garcia, que chegou a ser preso por suspeita de envolvimento nos crimes, depusesse no tribunal voltado aos jurados. Pelo menos duas juradas começaram a ler documentos do processo, de modo a tampar o próprio rosto.

Mais tarde, a defesa voltou a pedir que uma testemunha falasse ao conselho de sentença, mas, desta vez, a magistrada negou, segundo ela, a pedido dos membros do júri. Na quinta (21), o advogado Nilton Nunes, que defendeu o PM Eleutério, mencionou o nome e a profissão dos jurados no fim da fase de debates.

Detalhes sobre os integrantes do júri vinham sendo mantidos sob reserva –sem divulgação a jornalistas. Para o promotor Oliveira, tratou-se de "uma tática baixa, para dizer o mínimo", pela hipótese de intimidação. Nunes afirmou não haver nenhuma proibição e disse que apenas tentou ser mais educado "para tratá-los por nome, e não por números".


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