Folha de S. Paulo


'Ficha limpa' de vítimas é levada a júri da maior chacina da história de SP

Rogério Pagnan/Folhapress
Familiares das vítimas se manifestam no segundo dia de julgamento pedindo condenação dos réus
Familiares das vítimas se manifestam no segundo dia de julgamento pedindo condenação dos réus

No segundo dia do júri da maior chacina da história de São Paulo, a Promotoria levou testemunhas para ressaltar aos jurados a ficha criminal limpa, sem passagem pela polícia, da maioria das vítimas do crime, ocorrido em 2015 em Osasco e Barueri (Grande São Paulo).

O promotor Marcelo Alexandre de Oliveira, responsável pelo caso, já havia dito que um de seus desafios seria desvincular da chacina a tese de que criminosos teriam sido mortos por agentes de segurança –amparada na ideia de que "bandido bom é bandido morto".

Das 17 vítimas dos ataques, 12 não tinham nenhuma passagem pela polícia –dos demais, parte havia sido acusada anteriormente só por pequenos crimes, como furtos e receptação. Nenhuma delas, segundo a investigação, teve participação na morte do PM e do guarda municipal que teriam desencadeado a chacina.

Um dos testemunhos levados ao plenário foi da bancária Fernanda Nunes de Oliveira, que perdeu seu irmão Rafael, 23, no dia do crime –13 de agosto de 2015. Ela contou que Rafael havia acabado de chegar do trabalho naquela noite, tomado banho, e ido até a porta de casa para fugir do calor.

"Meu irmão não tinha passagem, só trabalhava", disse Fernanda, que falou da alegria do rapaz com um emprego em loja de motos –depois de ter trabalhado por anos como feirante, quando acordava às 4h.

Outra testemunha foi Marcos Passini, que estava no bar do Juvenal –epicentro da chacina, onde oito vítimas foram mortas após um grupo passar atirando.

O homem contou ter reparado no uniforme de trabalho de um dos mortos e disse que só escapou de ser assassinado porque, ao ser baleado nas costas, desmaiou e caiu dentro de um buraco nos fundos do bar. Passini relatou que outras pessoas vinham atrás dele, também tentando fugir dos criminosos, mas não tiveram a mesma sorte. "Alguns morreram em cima de mim."

Ao júri, Zilda Maria de Paula, 65, mãe do pintor assassinado Fernando de Paula, 34, contou da luta para ter seu filho após sofrer cinco abortos espontâneos. Pelo lado da defesa, a irmã do PM Fabrício Emmanuel Eleutério, um dos réus, contou detalhes da vida do soldado e de seu sonho de ser policial e proteger a sociedade. "Proteger não é matar, proteger é dar a vida pelo outro "seja quem for", disse ela.

PROTEGIDAS

O julgamento nesta terça (19) também foi marcado pelo depoimento de duas testemunhas protegidas de identificação.

Uma delas, que se apresentou como sobrevivente e recebeu no júri o nome fictício de Elias, voltou a reconhecer o soldado da Rota Fabrício Emmanuel Eleutério como participante dos ataques de 2015. Apesar do reconhecimento, a defesa de Eleutério comemorou o resultado dos depoimentos porque a segunda testemunha protegida, batizada de 798, teria colocado em dúvida a versão apresentada por Elias.

Essa testemunha numérica disse, segundo versão dos advogados, que naquela noite ele estava em um bar próximo ao local do ataque citado por Elias, a rua Suzano (em Osasco), e que viu realmente alguém de um carro prata atirar contra uma pessoa: um adolescente com cerca de 15 anos, magro e branco.

Ocorre, porém, que a pessoa que se apresenta como sobrevivente, segundo os advogados, tem cerca de 1,90 m, é negro e com cerca de 30 anos. O Ministério Público minimizou o depoimento da testemunha 798. Disse que ela não tira a credibilidade de Elias, até porque não há dúvidas de que esse sobrevivente foi baleado naquela noite e não teria motivos para criar tal história.

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A CHACINA DE OSASCO E BARUERI

Julgamento do caso começa na segunda-feira (18)

Do que os 4 suspeitos são acusados
De estarem envolvidos no assassinato de 17 pessoas em 13.ago.2015, em Osasco e Barueri, em retaliação à morte de um PM e um guarda municipal em assaltos dias antes. Cada réu é acusado por um número de mortos e feridos

O que diz a denúncia
Os réus faziam parte de uma milícia armada que atuava na segurança de comerciantes da região e na prática de crimes, como homicídios. Eles se conheciam por meio do PM Victor Cristilder, que seria chefe da segurança de um supermercado de Carapicuíba

Principais evidências, segundo a Promotoria
- Há 3 testemunhas: uma reconheceu um dos PMs na chacina, uma viu outro PM na pré-chacina e a terceira diz que vizinho ouviu uma briga
- Um dos PMs e o GCM trocaram mensagens de "positivo" antes e depois do horário da chacina
- Parte de cápsulas apreendias eram de lote do Exército, onde um deles já trabalhou

Fragilidades da acusação
- Não há provas da ligação entre os quatro réus, contrariando a tese de formação de milícia
- Relatos das testemunhas apresentam contradições
- Faltam evidências como armas, veículos e ligações em celular

Chacina Osasco

CRONOLOGIA DO CASO

7.ago.2015
Cabo da PM Ademilson Pereira, 42, é morto em assalto em Osasco

8 a 10.ago.2015
Ocorrem "pré-chacinas", com mortes em Itapevi, Carapicuíba e Osasco

12.ago.2015
Guarda civil Jefferson Luiz da Silva, 40, é morto em assalto em Barueri

13.ago.2015
Um homem é morto em Itapevi, e chacina em Osasco e Barueri termina com 17 mortes

Dez.2015
Após polícia concluir investigação, Ministério Público denuncia três PMs e um guarda municipal

Out.2016
Os quatro suspeitos são presos

Dez.2016
Victor Cristilder, um dos PMs, é absolvido em outra denúncia por morte em 8.ago ligada à chacina

Fev.2017
Justiça decide que os quatro acusados no processo principal vão a júri popular

18.set.2017
Início do julgamento em tribunal de Osasco, que terá 42 testemunhas


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