Folha de S. Paulo


'Efeito Carandiru' desafia julgamento da maior chacina da história de SP

Avener Prado/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 14-08-2015: Bar na rua Antônio Benedito Ferreira, no bairro Munhoz Junior, em Osasco, onde por volta das 20h30 Uma chacina deixou dez mortos. A noite mais violenta do ano na Grande São Paulo deixou ao menos 20 pessoas mortas e sete feridos em Osasco e Barueri, em um intervalo de aproximadamente duas horas e meia, na noite desta quinta-feira (13). Na maioria dos casos as ações foram semelhantes, homens encapuzados estacionaram um carro, desembarcaram e dispararam vários tiros contra as vítimas. Em alguns locais dos crimes, testemunhas disseram que os assassinos perguntavam por antecedentes criminais, o que definia vida ou morte das pessoas. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA*** ORG XMIT: 20516
Bar no bairro Munhoz Junior, em Osasco (SP), onde oito morreram em chacina em agosto de 2015

Três dos quatro acusados pela maior chacina da história de São Paulo –que deixou 17 mortos– serão julgados a partir de segunda-feira (18) em um processo que impõe ao Ministério Público um desafio ainda maior do que no caso do massacre do Carandiru.

Além da dificuldade de apontar aquilo que cada um deles fez na noite do crime, em 13 de agosto de 2015, a chamada individualização de conduta, a Promotoria ainda busca provar uma etapa anterior: mostrar que os réus realmente passaram pelos locais dos ataques, em Osasco e Barueri (Grande São Paulo).

Irão a júri popular a partir da semana que vem os policiais militares Fabrício Emmanuel Eleutério, 32, e Thiago Barbosa Henklain, 30, e o guarda municipal de Barueri Sérgio Manhanhã, 43.

O julgamento do quarto réu, o também PM Victor Cristilder, 32, será realizado em outra data, não marcada, porque ele foi o único que recorreu contra a sentença que mandou todos a júri popular.

Todos estão presos em São Paulo há cerca de dois anos.

Acusados da chacina na Grande SP

De acordo com a acusação, a chacina foi provocada por um grupo de PMs e guardas civis que se uniram para vingar a morte de dois colegas deles em dias anteriores.

Os criminosos, usando touca ninja, saíram em ao menos dois carros por ruas dessas cidades atirando contra alvos escolhidos por eles. Em um único bar de Osasco, oito pessoas foram assassinadas e outras duas ficaram feridas.

O promotor Marcelo Alexandre de Oliveira diz que, além do comportamento dos réus em audiência, outras evidências o deixam convencido da atuação deles na chacina.

"Sou humano, posso errar, mas estou convicto de que estão envolvidos nesses crimes. Talvez não como descrito na denúncia", afirma Oliveira, reconhecendo dificuldades para reconstituir os fatos.

Os principais indícios que serão levados ao júri buscando condenar os acusados são:

1) o reconhecimento de Eleutério por sobrevivente;

2) uma testemunha que diz ter ouvido de terceiro que a mulher de Henklain reconheceu o PM em imagens de TV entre os assassinos do bar;

3) uma comunicação entre Cristilder e o guarda municipal na noite do crime, antes e depois da chacina, por meio de WhatsApp, sem texto, só com um sinal de positivo.

Os réus se dizem inocentes. O governo paulista criou uma força-tarefa, mas não conseguiu encontrar armas, carros e roupas usados nos ataques.

Nenhuma das vítimas da megachacina tinha ligação com a morte dos agentes em dias anteriores, e a maioria não tinha passagem policial.

Dois criminalistas renomados ouvidos pela Folha e que não trabalham nesse caso, Alberto Toron e Roberto Podval Junior, avaliam que a tese da Promotoria de acusar os réus sem individualizar a conduta é arriscada. E, assim como no caso do Carandiru, poderá sofrer resistência posterior, no Tribunal de Justiça.

No julgamento do Carandiru –que deixou 111 mortos em 1992 após intervenção da polícia no presídio–, realizado a partir de 2013, um dos principais questionamentos foi a dificuldade de provar o que cada PM havia feito.

No júri, 74 policiais foram condenados, mas a sentença foi anulada pelo TJ sob a justificativa de que não se pode condenar em série sem individualizar o papel de cada um.

No caso da megachacina, a Promotoria sustenta que os réus fazem parte de uma milícia que atuava na região para proteger comerciantes.

Para isso, baseou-se em denúncia de testemunha protegida, ligada a assassinato anterior em Carapicuíba –mas que acabou na absolvição do PM Cristilder, após a Justiça ver contradições no relato.

"Concordo que enfraqueceu porque aquele episódio de Carapicuíba acabou sendo citado na denúncia [da chacina de Osasco e Barueri]. Agora, não é tudo que está dito na denúncia que precisa ser reconhecido pelos jurados", afirma Oliveira.

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A CHACINA DE OSASCO E BARUERI

Julgamento do caso começa na segunda-feira (18)

Do que os 4 suspeitos são acusados
De estarem envolvidos no assassinato de 17 pessoas em 13.ago.2015, em Osasco e Barueri, em retaliação à morte de um PM e um guarda municipal em assaltos dias antes. Cada réu é acusado por um número de mortos e feridos

O que diz a denúncia
Os réus faziam parte de uma milícia armada que atuava na segurança de comerciantes da região e na prática de crimes, como homicídios. Eles se conheciam por meio do PM Victor Cristilder, que seria chefe da segurança de um supermercado de Carapicuíba

Principais evidências, segundo a Promotoria
- Há 3 testemunhas: uma reconheceu um dos PMs na chacina, uma viu outro PM na pré-chacina e a terceira diz que vizinho ouviu uma briga
- Um dos PMs e o GCM trocaram mensagens de "positivo" antes e depois do horário da chacina
- Parte de cápsulas apreendias eram de lote do Exército, onde um deles já trabalhou

Fragilidades da acusação
- Não há provas da ligação entre os quatro réus, contrariando a tese de formação de milícia
- Relatos das testemunhas apresentam contradições
- Faltam evidências como armas, veículos e ligações em celular

Chacina Osasco

CRONOLOGIA DO CASO

7.ago.2015
Cabo da PM Ademilson Pereira, 42, é morto em assalto em Osasco

8 a 10.ago.2015
Ocorrem "pré-chacinas", com mortes em Itapevi, Carapicuíba e Osasco

12.ago.2015
Guarda civil Jefferson Luiz da Silva, 40, é morto em assalto em Barueri

13.ago.2015
Um homem é morto em Itapevi, e chacina em Osasco e Barueri termina com 17 mortes

Dez.2015
Após polícia concluir investigação, Ministério Público denuncia três PMs e um guarda municipal

Out.2016
Os quatro suspeitos são presos

Dez.2016
Victor Cristilder, um dos PMs, é absolvido em outra denúncia por morte em 8.ago ligada à chacina

Fev.2017
Justiça decide que os quatro acusados no processo principal vão a júri popular

18.set.2017
Início do julgamento em tribunal de Osasco, que terá 42 testemunhas


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