Folha de S. Paulo


Shoppings e sacoleiros transformam o bairro do Pari na 'nova 25 de Março'

Zanone Fraissat/Folhapress
Fachada da Galeria Pagé, shopping da região do Pari inaugurado neste ano
Fachada da Galeria Pagé, shopping da região do Pari inaugurado neste ano

Após sete horas de estrada madrugada adentro, a guia turística Maria Luiza Cunha Silva, 52, desembarca do ônibus na região central de São Paulo. Acompanhada de 70 clientes que vêm da mineira Araguari (a 622 km de SP), todos vão passar o dia em shoppings da cidade, rotina repetida todas as terças-feiras.

Mas eles não vão vão a centros de compras da capital como Ibirapuera e Iguatemi, points de consumo da classe média onde ternos de grife podem passar dos R$ 5.000. Vão percorrer alguns dos sete shoppings mais novos do Pari em busca de saias e calças que variam de R$ 10 a R$ 50 ou brinquedos e objetos de decoração por preços não muito diferentes.

De 2011 para cá, em apenas seis quadras do bairro, surgiu, em média, um estabelecimento do gênero por ano. Ocuparam espaços onde antes havia fábricas, estacionamentos e até escolas, modificando o perfil arquitetônico do local, cujo movimento começa às 4h e vai até as 16h.

Boa parte desses estabelecimentos ainda está em fase de regularização, segundo a prefeitura –a maioria entre os 27 shoppings registrados na Prefeitura Regional da Mooca não dispõe de licença definitiva, embora tenham aval do Corpo de Bombeiros para o funcionamento.

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O bairro, ao lado do sempre apinhado Brás, virou um polo de comércio considerado uma nova 25 de Março –rua comercial mais famosa de São Paulo, que já foi ocupada por comerciantes sírios, libaneses e armênios na metade do século passado e há cerca de 20 anos começou a ganhar os concorrentes chineses.

No entanto, em vez das lojas térreas ou distribuídas em prédios comerciais pertencentes a pequenas famílias da 25, o perfil é outro: grupos de empresários –novamente libaneses, chineses e também judeus– apostaram na construção de grandes centros de compras (alguns deles junto a hotéis) com estacionamentos para até 700 ônibus que vêm de todo o país em busca de preço baixo, especialmente em vestuário.

Todos os dias, são cerca de 300 coletivos que trazem a maior parte dos 450 mil frequentadores da região (números que dobram em datas festivas como Dia das Mães e Natal), segundo Gustavo Dedivitis, presidente da Fevabrás (Federação dos varejistas e Atacadistas do Brás).

São pessoas que também frequentam a Feira da Madrugada, maior centro de compras a céu aberto da cidade e envolta em polêmicas que começaram em acusações de exploração comercial ilegal de barracas e acabaram numa licitação que prevê uma nova construção ali: outro megashopping.

O fenômeno Pari-Brás teve seu boom a partir de 2005, quando a gestão do prefeito José Serra (PSDB) fez um acordo com a União para que camelôs ilegais da 25 de Março fossem transferidos para o Pátio do Pari, terreno que pertencia à Rede Ferroviária Federal. Nascia ali a Feira da Madrugada –onde as vendas começam às 2h e seguem freneticamente até as 16h.

De início, os camelôs torceram o nariz. Depois, o que se viu foi um êxodo de comerciantes informais que fizeram saltar de 2.000 para 6.000 o números de boxes, mais da metade deles irregular.

Nos últimos cinco anos, ocorreram várias operações da prefeitura que culminaram no fechamento de comércios –muitos retornaram por meio de liminar.

Em meio ao impasse para revitalização da feira que já completa 12 anos, os empresários enxergaram no entorno a chance de ampliar seus negócios para além da 25 e do Bom Retiro, de olho nesses mesmos clientes que chegavam de ônibus à feira.

Entre esses empresários está o grupo que hoje é dono da Galeria Pagé da rua Hannemann, filial do sempre lotado edifício que vende eletrônicos perto da 25. Inaugurada neste ano, a nova Pagé tem capacidade para 600 lojas e vende itens de moda, cosméticos e eletrônicos.

Além dele, foram inaugurados nos últimos anos os shoppings Tiers, Total, Vautier, Vautier Premium, New Mall e Porto Brás.

Uma das sócias no negócio, Andréia Bessa, diz que o comércio no Pari já era forte e cresceu mais nos momentos em que a Feira da Madrugada foi fechada –para reformas ou por irregularidades.

"Muitos desses investidores vieram da região da 25 e do Bom Retiro. Ou eles migraram para cá ou abriram um segundo ponto. Hoje, quem vem comprar tem comodidade de fazer todas as compras aqui, com lugar para tomar banho, ar condicionado. Não é mais necessário se deslocar para a 25 de Março", disse ela.

Nas ruas que cruzam tanto os shoppings como a feira, o comércio informal também é efervescente. Se vê de tudo: roupas, brinquedos e até um inimaginável comércio de frutos do mar e peixes cujos vendedores são chineses e coreanos, o que faz lembrar os mercados do Extremo Oriente em que se vende todo tipo de iguarias.

Uma caminhada por ali e os diálogos entre estrangeiros também revelam imigrantes bolivianos, africanos e haitianos, que tentam vender suas meias, bermudas e moletons pirateados em lonas espalhadas pelo chão. Todos estão ali para fisgar a mesma clientela que vai aos shoppings e à feira.

Muitos desses camelôs pagam um "aluguel" a criminosos que fizeram uma espécie de loteamento da área.

ERA UMA ESCOLA

Em 2013, o Colégio Santo Antônio Bom Jesus do Pari completava 94 anos. Baixou as portas naquele ano para dar espaço a um empreendimento. Em vez do burburinho de alunos, hoje há ali o vaivém de compradores.

Entre eles está a comerciante Fátima Maciel, 53, dona de uma loja de roupas em São Lourenço (MG). "Venho uma vez por mês. Lá a gente fabrica malhas, mas tem peças aqui que não temos lá. E o preço é bom tanto nos shoppings como na feira", disse ela, antes de embarcar no ônibus que a levaria na parte final do bate-volta de compras.

Em meio aos shoppings, restam resquícios da Pari de antigamente. O prédio espelhado de um dos gigantes centros de compras reflete a fachada da Paróquia Santo Antônio do Pari. A igreja, pelo menos, não deve sair dali.


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