Folha de S. Paulo


Interior do RJ se blinda contra roubo com câmeras, grades e até cachorros

Ricardo Borges/Folhapress
Paraiba do sul, Rj, BRASIL. 24/08/2017; Agostina Batista(70), instalou grades em sua casa apos ter sido invadida por ladroes. moradores do local estao mudando sua rotina como forma de prevencao de furtos que vinham acontecendo no local. Com a crise no estado do Rio cresce a violencia em cidades menores no interior do Estado. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Agostina Batista, 70, instalou grades em sua casa em Paraíba do Sul (RJ) após ter sido furtada

Numa noite de domingo, Débora Malheiros, 31, retornou do encontro com uma amiga e estacionou seu carro novo na porta da garagem de casa. No dia seguinte, quando acordou, o veículo não estava mais lá. Também não havia mais comida na geladeira. Sua casa havia sido roubada enquanto ela dormia.

Do outro lado dessa pequena rua sem saída, uma vizinha acaba de colocar grade na porta de casa. Esta nunca foi invadida, mas as duas ao seu lado já foram. "E o cachorro está chegando. Vamos pegar um grandão", diz a moradora Eva Xavier, 54. "Agora é assim: a gente fica preso e os bandidos, soltos".

Quase todas as 11 casas da rua, no centro de Paraíba do Sul, cidade de 43 mil habitantes no interior do Rio, já tiveram episódio do tipo. Os moradores se viram com grades reforçadas, câmeras e até portão novo para fechar a via.

Em pequenos municípios, a onda de crimes muitas vezes vem na sequência do crescimento. No caso atual do interior do Rio, o fenômeno ocorre especialmente a reboque das graves crises financeira e de segurança pública. Até lugares mais pacatos estão sob pressão, fazendo a população mudar seus hábitos.

É o que acontece na microrregião de Três Rios, no centro-sul fluminense. De janeiro a julho deste ano, já foi registrado quase o mesmo número de mortes violentas de todo o ano passado (foram 21 neste ano e 23 em 2016 inteiro), que, por sua vez, havia tido aumento de quase 80% em relação ao ano anterior.

Rio

MICRORREGIÃO DE TRÊS RIOS -

TRANCADO

José Afonso Malheiros, 55, pai de Débora, por exemplo, passou a buscar sua mulher na missa aos domingos. "Antigamente isso nem passaria pela minha cabeça. Hoje o povo fica trancado. Dinheiro, só uso de plástico. Até lâmpada colonial já levaram da rua."

A notícia de um roubo a uma loja de cachorro-quente que fica em frente ao fórum da cidade provocou certo pânico e fez alguns bares passarem a fechar as portas mais cedo.

Mirian Nascimento, 29, cresceu no bairro da Liberdade, um dos mais conflagrados pelo tráfico. Deixou a cidade por alguns anos. Ao voltar, se instalou no lugar onde passara a infância, desta vez com um filho. "Não deu, tive que me mudar. Hoje, se a criança fica solta lá, vira aviãozinho [função de quem leva a droga para o cliente]."

Em julho, houve um roubo em uma das principais igrejas do município. A câmera da casa ao lado, que tem até microfone, flagrou tudo. Ela havia sido instalada também depois de um roubo.

A aposentada Agostinha Batista, 70, deixou a porta de casa destrancada enquanto varria a sala. Um ladrão entrou e levou sua bolsa. Viu a cena em um vídeo gravado por uma das câmeras da rua.

"Ainda bem que não vi a pessoa. Imagine eu, sozinha, dando de cara com um homem dentro de casa. Tinha acabado de operar o coração. Poderia ter passado mal."

O tenente-coronel Márcio Guimarães, responsável pela região, diz que há um certo exagero. "Como é um lugar calmo, as pessoas ficam assustadas." O batalhão havia passado 1.072 dias sem dar tiro, até abril deste ano.

O principal motivo do aumento da criminalidade é o tráfico de drogas, diz. "Antigamente, era ladrão de galinha. Agora é o usuário de crack desesperado." O coronel descreve assim a pressão: "É uma questão de demanda. O consumo de drogas é constante. Do outro lado, perdemos muitos empregos. Vender drogas é uma saída fácil".

EFETIVO

De janeiro a julho, essa microrregião, que engloba cinco municípios, perdeu 1.203 empregos, segundo dados do Ministério do Trabalho.

Com população de 160 mil pessoas, vem crescendo nos últimos anos na esteira da instalação de indústrias, como a fábrica da Nestlé, em 2014.

Três Rios, a maior cidade, tem 77 mil habitantes e uma paisagem mais urbana, com prédios altos e fábricas. Paraíba do Sul, a segunda, tem clima mais histórico e turístico.

Diante da crise dos cofres públicos, servidores da segurança passaram meses com os salários atrasados e até hoje não receberam o 13º. Pagamentos extra por trabalho na folga estão atrasados, e o bônus por metas de redução dos indicadores de criminalidade não é pago desde 2015.

"[O ano de] 2016 foi o pior ano de toda a minha vida na polícia. Tivemos que fazer cesta básica para alguns policiais", diz Guimarães.

O efetivo do batalhão é de 386 policiais, abaixo dos 547 ideais. Do ponto de vista material, a falta de recursos é suprida por iniciativa privada e Judiciário, que bancam os custos de manutenção dos carros da polícia, por exemplo.

Há pelo menos uma década o Rio vê a incidência criminal enfraquecer na capital e se espalhar pelo Estado. Estudo da FGV mostra que, de 2006 a 2016, a violência se difundiu principalmente na Baixada Fluminense e interior.

Nessa década, roubos de rua no interior aumentaram 80%; na capital, 26%. Em relação a mortes violentas, o interior teve aumento de 8%; a capital teve queda de 42%.

Carolina Taboada, que participou do estudo, afirma que a política de segurança se concentrou na capital, obteve resultados, mas deixou o resto do Estado desguarnecido.

As cidades do interior que mais sofreram com isso são Campos dos Goytacazes, Volta Redonda, Macaé, as da região dos Lagos (Búzios, Cabo Frio e arredores) e da Costa Verde (Angra dos Reis e Paraty), com realidades distintas da região visitada pela Folha.

No entanto, em cidades acostumadas a índices europeus de violência, na dúvida, a população se esconde.

Mortes violentas* -

Roubos -

OUTRO LADO

A Secretaria da Segurança Pública do governo Luiz Fernando Pezão (PMDB) afirma que faz aquilo que é possível com os recursos disponíveis.

Segundo a pasta, o mau cenário econômico tem impacto significativo nos recursos humanos e materiais à disposição, "demandando um esforço enorme de gestão".

Como exemplo de iniciativas em meio à crise, a secretaria cita um grupo integrado que monitora a criminalidade violenta e a delegacia especializada para combate ao tráfico de armas. Ambas, diz, foram criadas sem custos para os cofres públicos.

Sobre o espalhamento da mancha criminal, o Instituto de Segurança Pública capacitou os batalhões da PM para uma ferramenta de análise criminal que permite acompanhar ocorrências.

A secretaria também disse que tem como principais diretrizes a preservação da vida e da dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias.

Já a PM disse que, apesar da crise, tem trabalhado com recursos humanos e materiais disponíveis para coibir ações criminosas no Estado.


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