Folha de S. Paulo


Psicóloga evangélica ganha batalha contra conselho na Justiça

Gabriel Cabral/Folhapress
Retrato de Marisa Lobo, 40, Psicóloga Cristã, no aeroporto de Congonhas
Retrato de Marisa Lobo, 40, Psicóloga Cristã, no aeroporto de Congonhas

A autointitulada "psicóloga cristã" Marisa Lobo ganhou uma batalha na guerra que trava há seis anos com o CRP (Conselho Regional de Psicologia) do Paraná, onde vive e pratica sua profissão.

A juíza Soraia Tullio, da 4ª Vara Federal de Curitiba, negou uma ação indenizatória por dano moral que o conselho movia contra a psicóloga.

No processo, Lobo é acusada de submeter "sistematicamente esta autarquia na mídia, em situação vexatória e constrangedora", o que "vilipendia" a "dignidade e a atuação da instituição". Compensação sugerida: R$ 50 mil.

O texto elenca entrevistas que Lobo deu a sites como Gospel Prime, Cavaleiro do Templo e Guia-me. A manchete de um deles, o Genizah: "Sob o ataque do CRP e de ativistas gays e ateus". Na foto, Marisa lê uma Bíblia em frente ao prédio da autarquia.

De 2012, a reportagem narra uma ida de Lobo ao conselho –que ela afirma ser "politicamente aparelhado" e para o qual diz pagar, em contribuição compulsória, anuidade de quase R$ 500.

Lobo relatou que, na reunião, fiscais lhe disseram frases como "você não tem o direito de dizer em público que ama os gays, mas quer ter um filho hétero" e "não pode dizer que Jesus cura, estando na condição de psicóloga".

O quiproquó entre as partes começou em 2011, quando Lobo foi intimada a "esclarecer sobre a publicidade de serviço de psicologia com vinculação religiosa", como a própria afirmou à Justiça.

O código de ética da categoria veda "induzir [o paciente] a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito". O argumento do conselho: o que dizer de Lobo na pele de uma "psicóloga cristã" que ainda por cima defenderia a "cura gay"?

Ela nega as duas acusações e se diz vítima de "perseguição religiosa" e "abuso psicológico". É fiel da Igreja Batista do Bacacheri, a mesma do coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol (Lobo é "fã" da operação). E não nega sua fé.

À Folha já definiu o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) como seu "mentor", e ele retribuiu lhe chamando de "amiga de longa data" –os dois se unem na aversão ao ensino da ideologia de gênero nas escolas, entre outros dissabores que Lobo associa a uma agenda da esquerda.

UM E OUTRO

Sim, Lobo é evangélica e psicóloga. Mas sabe separar uma coisa da outra, diz. No divã, seria uma; nas redes sociais e em audiências públicas, defende que tenha "liberdade de opinião".

Em 2013, ela já rechaçava a ideia de que tentava "curar" a homossexualidade. "Meu cabeleireiro é [gay], meu médico de pele é. Já acolhi em casa um homossexual pai de santo travesti com Aids", afirmou à Folha na época.

No ano seguinte, o CRP-PR cassou seu registro profissional –decisão depois revertida pelo Conselho Federal de Psicologia. Hoje diz: "Me condenaram pois não aceitei parar de afirmar que ser cristã é um direito meu. Eu me apresento, sim, como psicóloga e cristã, mas não 'psicóloga cristã'. Há uma grande diferença legal e constitucional".

A Folha aponta: é com a última opção, contudo, que Lobo se introduz em redes sociais. "Foi um erro... mas as pessoas me conhecem assim...", diz a psicóloga, que em seu site promove a "sexualidade debaixo da graça".

Celebrou no Instagram a decisão judicial a seu favor, com uma foto em que aparece levando o dedo à boca em sinal de silêncio. A legenda: "A liberdade de expressão é um direito que não negocio".

A sentença é de março, mas Lobo só tomou conhecimento dela agora. Em seu texto que vetou indenização ao CRP-PR, a juíza Tullio evoca palavras do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso: "A liberdade de expressão não existe para proteger apenas aquilo que seja humanista, aquilo que seja de bom gosto ou aquilo que seja inspirado".

A "liberdade de opinião, em uma sociedade democrática, abrange o direito à crítica às instituições, ainda que severas", escreveu Tullio.

O Conselho Regional de Psicologia recorreu da decisão e, em nota, afirma que processou Lobo "em razão de seu desagrado com as atribuições da autarquia, as quais está obrigada legalmente".

Ela não espera apenas o julgamento do recurso. Com 3.033 votos na eleição municipal curitibana de 2016, virou a segunda suplente de vereador do Solidariedade. A titular, Kátia dos Animais, pode ser cassada, e o primeiro suplente não estaria interessado em assumir a vaga. O nome que usou na urna: Marisa Lobo Psicóloga Cristã.


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