Em meio a uma das secas mais severas já registradas no Nordeste e com chuvas que deixam um rastro de destruição no outro extremo do país, a região Sul, um quarto dos municípios brasileiros estão em situação emergencial, segundo levantamento feito pela Folha com base em dados divulgados pelo Ministério da Integração Nacional.
São 1.296 cidades, que pediram socorro ao governo federal para lidar com problemas que vão da falta de chuvas ao excesso delas.
A maior parte dos reconhecimentos vigentes são por seca ou estiagem (71%), concentrados na região Nordeste e no norte de Minas Gerais.
Já tempestades, inundações, alagamentos, enxurradas e deslizamentos, principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Norte, são 29% das situações emergenciais identificadas pelo governo federal.
Há ainda cidades que estão em emergência tanto pela seca quanto pela chuva. É o caso de Novo Triunfo, na região nordeste da Bahia, cuja estiagem foi reconhecida pelo governo federal como emergencial em 9 de março.
A situação crítica, no entanto, não parou por aí. Choveu forte no fim do mesmo mês e, em 27 de março, a cidade baiana entrou em estado de emergência por causa das enxurradas, que destruíram calçadas e arrastaram carros na região urbana.
Duas capitais de Estados nordestinos também precisaram pedir socorro. Em maio, as chuvas em Maceió mataram oito pessoas e deixaram milhares desabrigadas. Já em Fortaleza, a falta d'água afetou 900 mil habitantes.
Até a capital do país teve que pedir ajuda. Brasília, que passa por um racionamento de água, esteve em emergência por vários meses, de fevereiro a agosto deste ano.
Além disso, há Estados quase inteiros em emergência, como a Paraíba, em que 196 das 223 cidades sofrem com a estiagem.
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VERBAS
O governo federal analisa caso a caso e pode liberar verbas para os municípios afetados, além de permitir que os moradores atingidos saquem o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e o Bolsa Família.
As prefeituras podem ainda ser dispensadas de fazer licitações para comprar produtos ou contratar serviços.
No total, o Ministério da Integração Nacional diz ter repassado, neste ano, R$ 200 milhões às cidades em situação de emergência, com ações de socorro, assistência, restabelecimento de serviços, kits de assistência humanitária e recuperação de estruturas danificadas.
O ministério aponta outros R$ 800 milhões gastos com a operação Carro-Pipa Federal neste ano, que levou água a 3,2 milhões de pessoas em um total de 861 municípios que convivem com a seca.
A maior obra de segurança hídrica, segundo o ministério, é a transposição do rio São Francisco, que vai beneficiar ao fim do projeto 12 milhões de pessoas, a um custo de R$ 9,2 bilhões.
Em 2015, o governo de Roraima precisou devolver
R$ 4,6 milhões à União. A verba havia sido repassada sem que o Estado tivesse apresentado um plano de trabalho. O valor foi ressarcido após cobrança do Ministério Público Federal e da Controladoria Geral da União.
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RESERVATÓRIOS
De acordo com o Cemaden (Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, os Estados em situação mais crítica no Nordeste são Pernambuco, Ceará e Paraíba, cujos reservatórios hídricos operam com 8%, 8,4% e 8,7% de sua capacidade, respectivamente, de acordo com o órgão.
Mantida a seca severa até janeiro do ano que vem, os reservatórios podem ficar entre entre 5% e 7%.
Coordenador-geral de operações do Cemaden, o meteorologista Marcelo Seluchi classifica a seca na região do semiárido nordestino, que já dura seis anos, como "sem precedentes na história recente, pelo menos desde os últimos 200 anos".
Segundo o meteorologista, é difícil explicar a gravidade da situação, mesmo do ponto de vista científico. "Tivemos um El Niño intenso, que justifica parte do problema, mas que durou só um ano e meio. Há momentos em que não houve nem El Niño, nem La Niña e a seca continuou. Ainda estamos tentando entender o fenômeno."
Bruno Dauster, secretário da Casa Civil da Bahia, Estado que tem 189 cidades em situação de emergência, diz que é preciso aprender a conviver com a estiagem.
"Na Bahia hoje nós não falamos mais em combate à seca. Essa visão tem que ser substituída pela visão de convivência com o semiárido. Não é fácil, mas é possível."
Mesma visão tem o subchefe da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, Jarbas Ávila. "Há 35 anos não víamos chuvas tão fortes", diz ele, citando eventos entre maio e junho que destruíram cidades gaúchas.
"A solução seria tirar o rio ou tirar a cidade. Como nada disso é possível, só nos resta nos preparar para essas situações", afirma.
Segundo Ávila, o reconhecimento da situação de emergência é essencial para reconstruir os danos causados pelos eventos climáticos. "Se cai uma ponte e deixa um bairro sem acesso a um hospital, o prefeito não pode abrir uma licitação e esperar 180 dias para começar a reconstruir", diz.
Ele rechaça, no entanto, a ideia de que a prática abra mais possibilidades de esquemas de corrupção. "Não precisar fazer uma licitação porque a compra é emergencial não significa que não precisa prestar contas sobre a obra, como qualquer obra pública", afirma.