Folha de S. Paulo


Buscas após naufrágio no Pará têm mobilização, palavrões, susto e drama

Adriano Vizoni/Folhapress
Equipe de busca na região do naufrágio, no rio Xingu, no Estado do Pará
Equipe de busca na região do naufrágio, no rio Xingu, no Estado do Pará

O sol ainda nem apareceu, e às 6h de sexta (25) todos já estão a postos na Câmara de Porto de Moz (PA), onde foi montado o gabinete de crise após o naufrágio que deixou 23 mortos na semana passada –outro acidente semelhante ocorreu na ilha de Itaparica (BA), apenas dois dias depois.

Entre os empolgados com a ação e os consternados pela tragédia paraense, bombeiros, policiais, oficiais da Marinha e uma série de outros funcionários públicos se revezam em um entra e sai na pequena copa, onde é servido pão, margarina, achocolatado e café.

Dentro de instantes, começará a última busca submarina no barco Capitão Ribeiro –àquela altura, quatro pessoas ainda estavam desaparecidas: duas crianças, um adulto e um idoso.

"Tomara que a gente os encontre hoje. Afogados, os corpos afundam, boiam e depois afundam de novo. Se afundarem, é muito difícil acharmos depois. Estou rezando para encontrá-los", diz o responsável pelos exames nos corpos, o perito Edmilson Lobato.

Antes de sair, já amanhecendo, a equipe se dá as mãos e entoa um Pai Nosso. Em seguida, ouve atenta as orientações do coronel André Cunha, coordenador das operações.

Adriano Vizoni/Folhapress
Equipe trabalha na procura e resgate de corpos no rio Xingu, em Porto de Moz, Estado do Pará
Equipe trabalha na procura e resgate de corpos no rio Xingu, em Porto de Moz, Estado do Pará

Pouco depois das 7h, saem os primeiros barcos: um com uma equipe de mergulhadores dos bombeiros, outro com o coronel –a reportagem da Folha embarca nesse segundo. Serão 50 minutos para percorrer os quase 50 km entre a cidade e o local do naufrágio, isso em uma das lanchas mais rápidas à disposição. Tudo ocorre numa região central do Pará, a 420 km em linha reta de Belém.

A caravana começa, silenciosa. No caminho, algo flutua pelo rio Xingu. O coronel Cunha manda o piloto da lancha dar meia volta e todos ficam apreensivos. Mas é apenas uma boia perdida.

Já na área da tragédia, as equipes sobem na balsa que serve de base para as operações. Ela foi montada depois que um grupo foi flagrado tentando pilhar o barco afundado –três foram presos.

Nessa balsa, fica empilhada a carga retirada do barco.

A primeira ação é um novo mergulho no barco, que está com o convés submerso, para tentar encontrar corpos presos na carga -o navio levava bagagens, alimentos, duas motos e até um Fiat Uno.

A equipe de mergulho dos bombeiros se prepara para vasculhar a parte submersa da embarcação. Estão incrédulos. "Suspeitam que tenha mais corpos aqui porque ontem subiu um cheiro forte, mas é que tem comida, frango, carne lá dentro. Apodrece mesmo", diz um oficial.

Com cilindros de ar comprimido, os mergulhadores partem para vasculhar o porão.

Embaixo d'água, o cabo Jefferson Garcia, 35, já está no porão e encosta em uma mão. É Taís Passos, 5, que viajava com a mãe e com dois irmãos. Ele encontra a menina, mas perde a saída do porão. "Tudo o que a gente tira, vai para de trás da gente, embaixo da água. Quando a gente chegou no final e tentou voltar, não existia mais o acesso", conta.

Ele mantém a calma, afasta o que encontra pela frente e consegue enfim sair dali.

Em cima da balsa, onde estão oficiais, marinheiros, policiais e até o prefeito de Porto de Moz, ouvem-se palavrões e sobe um cheiro forte. Logo em seguida se vê o corpo da criança, já em estado avançado de decomposição.

Uma hora depois, já por volta das 10h, o mesmo cheiro sobe de novo. É resgatado o corpo de Nícolas, de um ano e nove meses, irmão de Taís.

Ao longo do dia, as equipes bombeiam a água de dentro da embarcação para que ela flutue. Depois, começam as buscas ao longo do rio, próximo às margens. Pode haver corpos na vegetação. De cima, helicópteros tentam identificar cadáveres flutuantes.

Por fim, uma operação para difundir informação: ao longo de 43 km, equipes param de casa em casa de ribeirinhos, levam informações sobre os desaparecidos, além de divulgá-las por rádio amador e em rádios da cidade.

No fim do dia, a boa notícia. Os dois últimos desaparecidos são encontrados vivos e com boa saúde. Eles haviam sido resgatados e foram para suas casas. As buscas então são encerradas.

Naufrágio no rio Xingu

ENTERROS

Além de Taís e Nícolas, estavam no barco outra irmã, Nicole, e a mãe, Lucivalda, 42. Eles viviam em Vitória do Xingu, destino do barco, e voltavam de Porto de Moz, onde tinham ido visitar a mãe de Lucivalda, doente.

As crianças foram enterradas logo depois de encontradas –o estado dos corpos não permitia velório. Uma multidão acompanhou o cortejo.

Como eles, várias famílias viajavam juntas naquele dia. Pablo de Oliveira Sousa, 27, chorava, desconsolado, na tarde de quinta (24). Ele aguardava o reconhecimento dos corpos da mulher, Maiara, 19, e do bebê Sérgio Henrique, de um ano e meio, que voltavam de Prainha, onde foram passar o fim de semana.

Alexandre Sales, 22, estudante, levava a mulher, Alzilene, 17, para dar a luz em Altamira. Eles estavam em dúvida sobre o nome do menino: Eduardo ou Aguinaldo, como o pai de Alexandre. Nenhum sobreviveu.


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