Folha de S. Paulo


Palco de naufrágio no PA reúne corpos em ginásio, e rádio musical é só notícia

Na porta do ginásio de Porto de Moz (PA), uma multidão se aglomera: querem saber se o último corpo que chegou é o familiar que tanto procuram. No local, foi montado um centro de perícia, onde os corpos são identificados. O cheiro forte se espalha para fora dos muros, e para entrar lá é preciso usar duas máscaras.

"Nunca vimos algo parecido com essa tragédia. Estamos nos virando aqui", diz Richele Campos, 35, secretária municipal de Saúde, se referindo ao naufrágio que matou 21 pessoas na última terça (22).

Além do ginásio que virou centro de perícia, um centro de acolhimento de jovens é usado para prestar auxílio e apoio psicológico às famílias, e a Câmara Municipal virou o quartel-general das operações, onde Estado e município articulam os próximos passos.

Nas ruas, a maior parte dos comércios está fechada. A tragédia levou o foco para a pacata cidade, onde só dá para chegar de barco, apenas uma operadora de celular funciona, praticamente não há sinal de 3G e nenhum motociclista usa capacete. A rádio local até então só tocava música e hoje parece uma rádio de notícias.

Naufrágio no Pará

A população se espanta com o fluxo de militares e outros funcionários públicos vindos da capital, além de jornalistas. Não acostumados a tanta gente de fora, os porto-mozenses se prontificam a ajudar os forasteiros, servindo comida e dando caronas.

"É aqui a casa da Sílvia?", pergunta a reportagem, ao entrar num imóvel onde foi indicado que haveria almoço. "Não sei, é?", respondem dois policiais militares, que também aproveitavam a rede de solidariedade montada diante da tragédia enquanto faziam uma pausa na extenuante rotina de buscas.

Enquanto isso, Maria do Socorro Nonato, 39, assistia com os olhos marejados o telejornal. Na tevê, via notícias sobre a própria vida. Ela é uma das 23 pessoas que foram resgatadas com vida do naufrágio do barco Capitão Ribeiro. Sua filha, Neiva, 18, é uma das 21 mortas. Era a segunda vez que as duas iam a Altamira, como tantos, para se consultarem com um médico. Neiva teve convulsões frequentes quando bebê e tinha dificuldades de aprendizagem –estava no quinto ano do colégio. Em Altamira, faria tomografia.

"Eu tinha que viajar num barco que chegasse lá até as 7h, por isso viajei de madrugada. Quando começou a ventar, eu amarrei um colete salva-vidas nela. O barco virou e a gente se perdeu. Ela foi encontrada morta vestindo o colete."

Apesar da tragédia, Socorro agradece por, pelo menos, não ter ficado sem notícias da filha –uma das primeiras a ser encontrada. "Tanta gente desesperada, procurando parentes desaparecidos", diz.

Naufrágio no rio Xingu


Endereço da página:

Links no texto: